Mais de 2 mil famílias no ES pedem à Justiça internação de viciados
Segundo especialistas, familiares ou médicos buscam evitar quadros mais graves ou que causem perigo para o paciente ou terceiros
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Sem aguentar mais conviver com os efeitos devastadores das drogas e outros problemas mentais em seus filhos, pais ou irmãos, mais de 2 mil familiares buscam a Justiça para conseguir internações no Espírito Santo.
Dados do Tribunal de Justiça do Espírito Santo mostram que há cerca de 2.100 processos ativos com pedido de internação compulsória, aquela por determinação judicial, ou involuntária, que é a pedido de terceiros.
O médico psiquiatra Rodrigo Eustáquio afirmou que as internações são importantes para alguns casos, principalmente quando há risco para o paciente ou para terceiros.
“A internação é uma alternativa para que o paciente possa se afastar do risco iminente e até recuperar a consciência de morbidade, ou seja, sair daquele quadro agudo em que não tem discernimento da sua situação”.
Ele reforçou, no entanto, que a maior chance de sucesso na recuperação do paciente é quando ele está determinado a deixar as drogas. “É importante que se faça um trabalho de conscientização para que ele queira o tratamento. O suporte da família é determinante”.
Indicação
O médico psiquiatra Valber Dias Pinto também reforça que as internações involuntárias e compulsórias podem ser indicadas em casos em que há risco de vida ou outras situações, como de síndrome de abstinência grave.
“Nesses casos, a eficácia não está no tratamento da dependência. Ela é uma doença crônica, sem cura, mas com controle”. De forma paralela a ações na Justiça, há serviços para dependentes de drogas que buscam tratamento de forma voluntária.
O gerente do Centro de Acolhimento e Atenção Integral sobre Drogas (Caad) Vitória, do programa Rede Abraço, Getulio Souza, destacou que o local é aberto à população. “Lá, o paciente é acolhido e dá início ao atendimento”.
Além de um rol de serviços ofertados pelo próprio Caad, entre os quais consulta médica e participação de grupos terapêuticos, há possibilidade do paciente ser encaminhado para internação voluntária em rede hospitalar ou ser encaminhado para comunidades que fazem o acolhimento do paciente.
"É possível se libertar das drogas, como me libertei", diz Marcos Gomes, conselheiro terapêutico
Há quase três anos, se vendo na sarjeta, no fundo do poço, Marcos Mendonça Gomes, que tem 30 anos e gosta de ser chamado de Marquinhos, deu um passo que ele garante que mudou o seu destino.
Por meio da Rede Abraço, buscando internação voluntária, ele chegou até o Instituto Horta de Vida, em Cariacica, onde garante que se libertou das drogas.
Atualmente ele é conselheiro terapêutico da instituição e ajuda outros que, assim como ele, querem recomeçar livres do vício.
A Tribuna – Em que momento viu que precisava ter uma segunda chance?
Marcos Mendonça Gomes - Quando eu vi que eu tinha perdido a minha credibilidade, a família não acreditava mais em mim. Eu cheguei aqui desacreditado, há cerca de três anos, na pandemia.
- Por que não acreditavam?
Devido ao uso abusivo de várias substâncias. Eu passei por três compulsórias (internações). Fugi de duas. A última que eu passei eu fiquei seis meses, fugi e usei droga no mesmo dia. Na outra, eu fiquei quatro meses.
- Usava o quê?
Aos 14 anos, comecei com maconha, influenciado por amizades erradas, mas foram 10 anos no crack, a partir dos 18 anos.
O crack me levou para o fundo do poço. Perdi as contas de quantas pedras eu fumei. Não dava para ficar um dia sem usar.
- Quem era o Marquinhos?
Um cara sem sonhos, que estava na sarjeta, sem destino, sem rumo, sem futuro, sem nada.
- E hoje?
Sou um homem sonhador, realizado com o que estou conquistando. Sei que tenho muito a conquistar, mas já me sinto realizado. Só pelo fato de conseguir ficar limpo (sem drogas) já é um milagre.
- Está há quanto tempo sem drogas?
Dois anos e sete meses. Nesse tempo, já tirei CNH de moto e carro, com o dinheiro que estou ganhando como conselheiro terapêutico do instituto, estou me qualificando.
- Quais os planos para o futuro?
Eu estudei até a sétima série. A partir do ano que vem vou continuar estudando e fazer uma faculdade. Quero ser um empresário, ter a minha família.
- Qual mensagem deixa para quem está no fundo do poço?
É possível se libertar das drogas, como eu me libertei. Se a pessoa realmente quiser mudar, ela consegue. Mas não consegue só. Eu sou muito grato a Deus, às pessoas que Ele colocou na minha vida.
Ações na Justiça pedindo internação
Internação compulsória: 1.680
Internação involuntária: 433
Internação voluntária: 97
Diferença nas formas de internação
1- Internação voluntária
A pessoa que solicita voluntariamente a própria internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.
O término da internação se dá por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico responsável.
Uma internação voluntária pode, contudo, se transformar em involuntária e o paciente, então, não poderá sair do estabelecimento sem a prévia autorização.
2- Internação involuntária
É a que ocorre sem o consentimento do paciente e a pedido de terceiros.
Geralmente, são os familiares que solicitam a internação do paciente, mas é possível que o pedido venha de outras fontes. O pedido tem que ser feito por escrito e aceito pelo médico psiquiatra.
A lei determina que, nesses casos, os responsáveis técnicos do estabelecimento de saúde têm prazo de 72 horas para informar ao Ministério Público do estado sobre a internação e os motivos dela.
O objetivo é evitar a possibilidade de esse tipo de internação ser utilizado para o cárcere privado.
3- Internação compulsória
Nesse caso não é necessária a autorização familiar. A internação compulsória é sempre determinada pelo juiz competente, depois de pedido formal, feito por um médico, atestando que a pessoa não tem domínio sobre a própria condição psicológica e física.
O juiz levará em conta o laudo médico especializado, as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e dos funcionários.
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado e lei 10.216, de 2001.
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