“Confiança não nasce da vigilância”, afirma terapeuta familiar
Especialistas alertam que vigiar o parceiro nas redes sociais pode prejudicar o relacionamento e gerar consequências legais

Com infinitos meios que podem facilitar a traição, nem sempre confiar no parceiro é tarefa fácil. Há aqueles que exigem até mesmo o compartilhamento de senhas dos aparelhos e aplicativos para “acompanharem” de perto o comportamento do cônjuge.
Mas a psicóloga e terapeuta familiar Naira Araújo faz um alerta: “A confiança verdadeira não nasce da vigilância. Ela floresce quando existe solidez no vínculo, quando o olhar confia sem precisar vigiar. Porque confiar é justamente não precisar vigiar”, destaca.
E, segundo a psicóloga, é preciso lembrar que “privacidade não é segredo”. “Mesmo em um casamento, cada um continua sendo um universo inteiro, com seus espaços internos, suas conversas, seus silêncios e respiros”.

De acordo com Naira, alguns casais compartilham tudo com naturalidade, sem usar isso como ferramenta de controle.
“Outros mantêm suas chaves individuais, amparados por uma comunicação aberta e madura. Em qualquer cenário, o essencial é que ninguém se sinta vigiado, invadido ou coagido”.
Na análise de Lucimei Couto, psicanalista e terapeuta de casal, no casamento a transparência não é sinônimo de invasão, e a privacidade não é sinônimo de segredo.
“Quem quer privacidade não se case, pois casamento é compartilhamento da vida, e não se pode compartilhar a vida com uma pessoa que não pode ser transparente”, frisa.
“As pessoas não compreendem o que significa confiança. Ela não nasce do nada. Quem confia sem conhecer é uma pessoa ingênua”, continua.
“Confiança verdadeira é construída com entrega, com lealdade, com abertura, acesso, disponibilidade e respeito, para que o cônjuge possa ter segurança emocional, e essa segurança emocional é o que constrói a confiança”, completa a terapeuta.
Por outro lado, Lucimei alerta que comportamentos abusivos sempre começam disfarçados de “cuidado”, “zelo” ou “curiosidade”.
“No ambiente digital, o ciúme pode se transformar silenciosamente em controle e invasão emocional, e a pessoa só percebe quando já está emocionalmente dominada”.
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Tecnologia
Para Naira Araújo, a tecnologia não destruiu a fidelidade, apenas a redesenhou. “Hoje, amar exige conversas mais francas sobre limites, desejos e acordos. Exige reconhecer que a lealdade não se mede apenas pelo corpo, mas também pela transparência emocional”.
Infidelidade pode gerar indenização

Apesar de a infidelidade conjugal não ser mais considerada crime desde 2005, suas consequências podem gerar indenização, de acordo com especialistas.
A advogada de Família e Sucessões Bárbara Nespoli explica que é possível pedir uma indenização por danos morais se a traição causou abalo emocional, constrangimento ou humilhação, mas isso requer comprovação.
“Além disso, as provas têm de ser reunidas de forma lícita. Também é preciso procurar um advogado especializado em Direito de Família para orientar sobre como proceder, para preservar a integridade das provas e buscar seus direitos”.
Quanto às provas, a advogada de Família e Sucessões Anne Brito dá uma orientação:
“Mensagens trocadas em aplicativos só podem ser usadas como prova se obtidas de forma legítima: por exemplo, quando já estavam acessíveis à pessoa, sem violar senhas, invadir aparelhos ou contas”, esclarece.
“Se alguém invade o celular do parceiro ou divulga prints de conversas privadas, comete violação de sigilo e pode responder civil e criminalmente por isso. A busca por provas não autoriza a violação da intimidade”, conclui.
Amor sem excesso
Bom senso é o melhor caminho
Sinais de controle digital
O sinais de que o controle digital se tornou abusivo, segundo a terapeuta de casal Lucimei Couto, é quando:
1. Monitora suas curtidas, seguidores ou mensagens.
2. Proíbe contatos, amizades ou interações virtuais.
3. Interpreta qualquer curtida ou comentário como sinal de traição.
4. Faz perguntas excessivas sobre sua vida on-line.
5. Faz você se sentir culpada(o) por ter vida social ou liberdade digital.
6. Usa “ciúme” como justificativa para críticas, ofensas ou controle.
Compartilhar ou não as senhas?
Há casais que compartilham senhas, avalia a psicóloga Naira Araújo, por sentir que nada precisa ser escondido. Quando isso nasce do consenso, sem cobranças, é um gesto de confiança mútua. Mas quando isso é cobrado como prova de fidelidade, se transforma em reflexo de insegurança.
Traição dá danos morais?
É possível pedir uma indenização por danos morais se a traição causou abalo emocional, constrangimento ou humilhação, explica a advogada Bárbara Nespoli. Mas isso, segundo ela, requer a comprovação dos impactos negativos e de que as provas foram reunidas de forma lícita.
Fiscalizar ou não o celular?
Segundo a advogada Anne Brito, não existe um “direito de fiscalizar o celular” só porque está casado. O artigo 154-A do Código Penal define que é crime “invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à internet, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do titular”, com pena que pode chegar a 4 anos de reclusão e multa.
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