Novembro Negro
Entre necropolítica e violência estatal, novembro expõe feridas antigas
Eis que em 29 de outubro, mais uma vez, a população negra e periférica do Rio de Janeiro viveu momentos de terror na mais recente “operação policial” contra o crime organizado e o tráfico de drogas.
O resultado foi quase duas centenas de mortos, corpos negros em sua grande maioria (inclusive entre os policiais abatidos). A brutalidade e o terror estatal assolando comunidades pobres, que vivem inseridas em uma perversa aula prática de “necropolítica”. O termo, formulado pelo filósofo africano Achille Mbembe, após a operação ganhou a mídia e o entendimento da população: “quando o Estado exerce o seu poder e capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. E quase sempre estes (os que devem morrer) são os pobres, os miseráveis, os excluídos, os negros, povos originários, imigrantes, palestinos de Gaza, entre outros corpos “indesejados” pela sociedade patriarcal branca capitalista global neoliberal”.
Novembro, mês da consciência negra? E como em todos os anos, neste país atravessado pela colonialidade e alicerçado no racismo estrutural, faço questão de registrar nos meus textos, infelizmente fazendo as mesmas reflexões: por que um “Novembro Negro”? Por que um “Dia Nacional da Consciência Negra”, num país com maioria da população preta, parda e negra? Importante lembrar que os EUA têm um feriado nacional no aniversário de Martin Luther King – MLK Day. Neste caso, “o que é bom para os EUA [não] é bom para o Brasil”? Fica a questão.
A atual “polarização” política que vivemos, exacerbada pelos “engenheiros do caos” da extrema-direita, encarna o “malismo” (termo do escritor basco-espanhol Mauro Entrialgo), ou “a ostentação do mal como propaganda”. Quando políticos, autoridades, bilionários, “cidadãos comuns” (especialmente nas redes sociais), perdem o pudor de ostentar publicamente ações ou desejos tradicionalmente reprováveis (como a morte ou aniquilação dos pobres) com a finalidade de obter benefício comercial, social ou, principalmente, eleitoral. Pois é isso que agora fazem os governadores da direita com o abjeto “Consórcio da Paz”: primeiro o massacre, depois a “paz”, nos “seus” termos, tal qual Trump e Netanyahu na Palestina. Coincidentemente, é em novembro, no dia 29, o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino.
Podemos afirmar que o racismo ambiental também é uma forma de necropolítica, em conjunto com a necropolítica brutalista da truculência, como a vista agora e em outras operações no Rio e em Gaza nos últimos dois anos. Uma forma lenta e gradual de eliminação das populações periféricas, desgastadas pelo ambiente em que vivem, com suas expectativas (seriam “esperanças”?) de vida reduzidas, como apontam os mapas das desigualdades produzidos para São Paulo e outros em diversas metrópoles, com o aumento e persistência de doenças crônicas, hipertensão, obesidade, diabetes, depressão, como demonstrou Letícia Barbosa em A geografia da hipertensão – O que o corpo negro ainda carrega da travessia forçada e pelo esgotamento por longas jornadas de trabalho (escala 6x1) e amontoamento cotidiano no precário transporte coletivo. Assim como a mortalidade precoce derivada da violência, seja a do crime organizado, seja das desordenadas ações policiais, muito mais letal nos territórios periféricos.
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