Conduta de Bolsonaro com tornozeleira eletrônica dificulta prisão domiciliar futura
Aliados do ex-presidente apostam na possibilidade de uma prisão domiciliar humanitária, nos moldes do caso Collor
Os sucessivos descumprimentos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) das medidas cautelares impostas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) dificultam que a pena no processo da trama golpista seja cumprida em prisão domiciliar no futuro, segundo especialistas.
Bolsonaro aguardava a conclusão do caso da trama golpista com previsão de ir ao regime fechado, mas com expectativa de obter uma prisão domiciliar por questões de saúde, como ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor, condenado em 2023 pelo Supremo.
Às vésperas da conclusão do processo, no entanto, Bolsonaro tentou abrir a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda, conforme relatou a uma agente. Embora não inviabilize a possibilidade de uma prisão domiciliar no futuro, a conduta pode ser um obstáculo.
Há dois meses, integrantes do centrão chegaram a fechar um acordo de forma sigilosa com uma ala de ministros do Supremo que envolvia a possibilidade de o ex-presidente cumprir pena pelo caso da trama golpista em regime domiciliar como alternativa à anistia.
Para o advogado Pierpaolo Bottini, professor de direito penal da USP, a notícia da tentativa de violação da tornozeleira pode dificultar esse plano. Não é possível descartar a medida, mas o convencimento do juiz para adotá-la se torna mais difícil.
"Em regra, o que fiscaliza o cumprimento da domiciliar é justamente esse dispositivo. Na medida em que se tem um indício de que houve uma tentativa de clara de violá-lo, isso prejudica a confiança de que a pessoa não vai sair de casa", afirma.
Ao passar por audiência de custódia neste domingo (23) na superintendência da Polícia Federal em Brasília, o ex-presidente disse que tentou abrir a tornozeleira porque teve uma "certa paranoia" devido ao uso de medicamentos e que só "caiu na razão" à meia-noite.
A professora de direito constitucional Damares Medina diz que a declaração de Bolsonaro de que não teve a intenção de fugir ao violar o equipamento até pode ser usada pela defesa como atenuante, mas dificilmente conseguirá reverter o cumprimento da pena em regime fechado.
"É muito difícil que, nesse cenário, de um réu que tem reiteradamente descumprido as medidas cautelares, venha ser concedido esse privilégio de prisão domiciliar novamente após o trânsito em julgado [do processo da trama golpista]", afirma.
A prisão domiciliar de Bolsonaro foi decretada em 4 de agosto após descumprimento de medidas em outra investigação, por coação, obstrução de justiça e atentado à soberania nacional. Proibido de usar as redes sociais, o ex-presidente participou por videochamada de ato.
Mesmo com vídeo e documento do STF mostrando as avarias no dispositivo, o advogado de Bolsonaro Paulo Cunha Bueno não explicou a violação à tornozeleira e disse que a informação estava sendo usada como narrativa para "justificar o injustificável".
O criminalista Renato Vieira, doutor em direito processual penal pela USP, diz que a tentativa de violação da tornozeleira não impede a concessão da prisão domiciliar no futuro, quando o ex-presidente já estiver cumprindo pena definitiva, mas pode ser um dificultador.
"Quando ele estiver no regime de cumprimento de pena, será um outro momento", diz ele. "Uma decisão dada num provimento cautelar não necessariamente inviabiliza a reapreciação do quadro a depender de uma situação de prisão para cumprimento de pena."
Por outro lado, o contexto pode ser levado em conta pelo ministro Alexandre de Moraes ou pelo magistrado para quem o Supremo delegar o cumprimento da execução penal no momento de analisar os requisitos da prisão domiciliar.
A Lei de Execução Penal prevê prisão domiciliar para (i) condenado maior de 70 anos; (ii) pessoa acometida de doença grave; (iii) mãe com filho menor ou com deficiência física ou mental; e (iv) gestante —mas apenas para quem cumpre pena em regime aberto.
Aliados do ex-presidente apostam na possibilidade de uma prisão domiciliar humanitária, nos moldes do caso Collor. Em situações de idade avançada e comorbidades graves, há precedentes que autorizam a medida em caráter excepcional.
Para o professor de direito penal Thiago Bottino, uma eventual piora no estado de saúde de Bolsonaro é vista como única justificativa para um possível cumprimento da pena pela condenação no processo da trama golpista em prisão domiciliar.
"Se as condições de saúde se agravarem de tal forma que não houver opção de manter no presídio, o juiz acabará fazendo essa transferência para a prisão domiciliar, para garantir que a pessoa não morra. Mas fora dessa hipótese, por nenhum outro critério faria sentido hoje", diz.
Nessa hipótese, segundo o professor da FGV Direito Rio, ainda haverá necessidade de maior gasto público com escoltas para garantir a segurança do ex-presidente, o que também deverá ser levado em conta pelo Judiciário na decisão.
A professora de direito constitucional Damares Medina, por sua vez, aponta como alternativa a hipótese do cumprimento da prisão em uma unidade hospitalar, com a possibilidade de que os custos sejam arcados pela própria família.
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