Uso de remédio controlado sem receita e em altas doses pode causar coma
Especialistas alertam que o uso sem indicação médica pode causar desde sonolência e perda de coordenação motora até quadros de coma
A suspeita de intoxicação de seis adolescentes que ingeriram clonazepam dentro de uma escola estadual na zona sul de São Paulo, nesta quinta-feira (6), evidencia os riscos do consumo de medicamentos controlados sem prescrição. Especialistas alertam que o uso sem indicação médica pode causar desde sonolência e perda de coordenação motora até quadros de coma em casos mais graves.
De acordo com o toxicologista Álvaro Pulchinelli, diretor técnico da Toxicologia Pardini, do Grupo Fleury, o principal perigo de usar medicamentos sem necessidade clínica é expor o corpo a efeitos colaterais desnecessários. "Quando não há uma doença a ser tratada, o remédio desequilibra o funcionamento normal do organismo e pode causar reações adversas graves", afirma.
No caso do clonazepam, da classe dos benzodiazepínicos, os sintomas de intoxicação incluem sonolência intensa, torpor e falta de coordenação. Em doses elevadas, o medicamento pode deprimir o sistema nervoso central e levar ao coma.
Os seis adolescentes, com idades entre 12 e 15 anos, foram socorridos com suspeita de intoxicação após ingerirem um medicamento controlado dentro da Escola Estadual Júlio de Mesquita Filho, no Ipiranga, zona sul de São Paulo. Eles apresentavam sonolência. O estado de saúde depois do atendimento médico e a quantidade ingerida não foram divulgados.
Situações de intoxicação medicamentosa não são raras e podem ocorrer tanto por erro de prescrição quanto por uso inadequado, afirmam médicos. O músico Lô Borges, um dos fundadores do Clube da Esquina, morreu no último domingo (2) após complicações decorrentes de um quadro desse tipo.
O neurologista Alexandre Bossoni, do Hospital Santa Paula, explica que o termo "remédio controlado" abrange várias substâncias que exigem prescrição, como antidepressivos, ansiolíticos e anticonvulsivantes. Cada grupo apresenta riscos diferentes quando usado de forma inadequada.
"Nos benzodiazepínicos, o principal efeito adverso é a depressão do sistema nervoso central, que pode causar sedação intensa e, em casos extremos, parada respiratória", afirma.
Segundo o especialista, entre os antidepressivos, o uso abusivo pode provocar síndrome serotoninérgica, com confusão mental, taquicardia, sudorese e pressão alta. O perigo cresce quando diferentes substâncias são combinadas, pois as interações entre elas potencializam os efeitos tóxicos.
Pulchinelli explica que o protocolo de atendimento em casos de intoxicação é semelhante para todas as idades. "Primeiro, oferece-se suporte básico de vida, avaliando respiração, batimentos cardíacos e pressão arterial. Depois, inicia-se o tratamento específico, com carvão ativado e, quando disponível, antídotos adequados", afirma.
Após a estabilização, o acompanhamento psicológico e psiquiátrico é considerado fundamental. "É preciso entender o que motivou esses adolescentes a tomar essa atitude. A prevenção passa por suporte emocional e orientação em saúde mental", diz Pulchinelli. Segundo ele, quando o tratamento é iniciado rapidamente, a recuperação tende a ser completa e sem sequelas.
A pediatra Lilian Hagel, presidente do Departamento de Medicina do Adolescente da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), diz que o uso de benzodiazepínicos é contraindicado na adolescência, salvo em casos muito específicos e sob supervisão rigorosa. Além do risco de intoxicação, o medicamento pode causar dependência e interferir no desenvolvimento emocional.
"São substâncias com alto potencial de adição e devem ser evitadas nessa faixa etária", alerta Hagel. "O adolescente vive um período de intensas mudanças físicas e psicológicas, marcado por impulsividade e busca de aceitação, o que aumenta o risco de comportamentos perigosos."
Ela explica que o corpo dos adolescentes ainda está em formação e o metabolismo de medicamentos pode ser diferente do de um adulto. "A dose segura varia conforme o peso e o estágio de desenvolvimento. Em alguns casos, pequenas quantidades já podem causar sedação excessiva e depressão respiratória", diz.
A médica recomenda cuidados simples dentro de casa, como manter remédios controlados fora do alcance de crianças e adolescentes e evitar apelidos como "xaropinho" ou "docinho". "Quando se fala assim, passa-se a ideia de que o remédio é algo inofensivo, o que é um erro. Toda medicação deve ser usada apenas com indicação e controle médico."
O médico emergencista Yuri Castro Santos, do Hospital Regional de Varginha, em Minas Gerais, destaca que medicamentos controlados exigem ajuste gradual de dose, conforme a tolerância e os efeitos colaterais. "É o médico quem define o ritmo de aumento da dose e identifica quais reações exigem a suspensão imediata do tratamento", explica.
Segundo ele, doses inadequadas —tanto menores quanto maiores que o prescrito— podem comprometer o organismo de formas distintas. "Uma dose abaixo do indicado não traz o benefício esperado. Já a superdosagem pode causar efeitos graves, como hepatite fulminante e até morte em pouco tempo", alerta.
Mesmo dentro da bula, as reações variam de pessoa para pessoa, o que reforça a importância do acompanhamento médico contínuo. Em casos de suspeita de intoxicação, o especialista orienta procurar atendimento imediato via Samu (192) ou pronto-socorro.
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