Os sete livros
Homenagem relembra a trajetória e o legado do major Giuliano Tatagiba na PMES
Em dezembro de 1995, recebi em Guaçuí a visita do cabo da PMES “Tãozinho” Tatagiba, às vésperas de sua aposentadoria, após trinta anos de honroso serviço. Era um amigo leal, de caráter firme e coração simples. Sem rodeios, explicou o motivo da visita: pedia-me apoio junto ao Comando-Geral da PMES para que seu filho, o recém-declarado aspirante a oficial Giuliano César da Silva Tatagiba, fosse designado para servir em Guaçuí.
Dias depois, o jovem aspirante chegou à subunidade. De semblante sereno, uniforme impecável e olhar entusiasmado, apresentou-se com a disciplina e o respeito que o acompanhariam ao longo de sua carreira. Já o conhecia da Academia de Polícia Militar, onde ministrei a disciplina de Polícia Interativa, um conceito inovador de segurança cidadã que começava a florescer no Espírito Santo.
Após uma boa conversa, apontei-lhe uma pilha com sete livros e disse: “Você tem três semanas para ler essas obras. Vá para casa e volte depois de cumprir a missão”. O jovem compreendeu a lição e, dentro do prazo, retornou com os estudos concluídos. A semente estava lançada.
Em fevereiro de 1996, iniciamos um novo Curso de Polícia Interativa em Alegre (ES), que contou com a presença de oficiais da Polícia Militar da Bahia interessados em conhecer o Método Interativo de Segurança Cidadã – MISC®. Éramos apenas três instrutores para as aulas teóricas e práticas, e um deles era o recém-chegado aspirante Giuliano Tatagiba.
O reconhecimento nacional não tardou. Em dezembro de 1996, a convite do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), fui designado para representar a PMES em uma viagem de estudos ao Canadá, onde apresentaria o MISC® no Parlamento canadense. Contudo, sessenta dias antes da partida, após conversar com o coordenador do NEV/USP, Dr. Paulo César Pinheiro dos Reis, decidi surpreender meu jovem discípulo: “Você vai em meu lugar para o Canadá”.
Atônito, o tenente respondeu: “Capitão, não me sinto preparado para uma missão dessa envergadura”. Repliquei-lhe: “Prepare-se. É assim que nascem os grandes oficiais”. Durante semanas, reunimo-nos para revisar conceitos, alinhar ideias e consolidar o discurso. O resultado superou todas as expectativas: ao lado do renomado coronel Jorge da Silva, Giuliano representou o Espírito Santo e o Brasil com brilhantismo no Parlamento canadense, apresentando com eloquência o método capixaba de segurança cidadã.
Anos mais tarde, uma fatalidade interromperia sua promissora trajetória. O então major Giuliano, antes de partir para a eternidade, entregou-me, com um sorriso sereno, sua dissertação de mestrado em Segurança Pública, dizendo: “Tornei-me mestre também por causa do senhor. Sempre me lembrarei daqueles sete livros”.
Se vivo estivesse, Giuliano Tatagiba seria coronel. Sua memória, entretanto, permanece viva — nas páginas da história da PMES, nos anais do Parlamento canadense e, sobretudo, em nossos corações. Aquele jovem aspirante, moldado pelo conhecimento, pela disciplina e pela fé no serviço público, transformou os sete livros em símbolo de uma vida dedicada à inteligência, à ética e à solidariedade.
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