Ex-moradora de rua usa a arte para mudar de vida
Ana Lilia, que viveu sete anos nas ruas de Vitória e usou a arte como forma de sustento, apresenta as obras em exposição

“A minha arte representa liberdade, é o meu legado de bondade, felicidade e paz”. Esse é o relato de Ana Lilia Arnal Conte, artista que apresenta 35 quadros na exposição gratuita “Renascimento”, no espaço cultural do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).
Ana, que é formada em Letras e já foi proprietária de comércio na Praia do Canto, em Vitória, viveu sete anos nas ruas da capital do Estado, devido a uma situação econômica adversa, e usou a arte como forma de sustento.
“A rua é uma sociedade diferente, com leis próprias. Eu precisava me sustentar, porque não queria mexer com coisa errada”, pontua a artista.
“Um dia, pintei, a pedido de um colega, um ramo de flores em um quadro usando só maquiagem, como lápis de olho, batom e sombra. Vendi no mesmo dia para um alemão que apaixonou pelo quadro. Desse dia em diante, vendi arte no ônibus, em restaurantes, e as pessoas ficavam apaixonadas porque eu pintava tudo com o dedo”.
Ana teve contato com pintura desde a infância, e ao longo da vida, pintava quadros, mas guardava todos em casa.
“O ponto de virada foi em 2024, quando a representante de um instituto me encontrou, e perguntou se eu queria sair das ruas e trabalhar. Não pensei duas vezes. Já estou há quase 10 meses em um abrigo, tenho toda a estrutura necessária e desenvolvo meus quadros cada vez mais desde então”.
Todas as obras expostas estão à venda, e o dinheiro arrecadado será destinado para a artista.
“Cada vez que alguém leva um quadro meu, eu vejo que a pessoa enxergou algo legal na minha pintura, e considero isso um presente de Deus. Acredito que isso é só o começo”, comemora.
A exposição é motivo de felicidade para Ana, que revelou um segredo para o fim da exposição. “No último dia, vou sortear um quadro para as pessoas que visitaram e assinaram o livro de presença”.
A exposição é uma forma de mostrar o potencial de pessoas em estado de vulnerabilidade social, explica Fábio Buaiz, responsável pelo Espaço Cultural do TJES.
“Queremos mostrar que muitas pessoas só precisam de ajuda para mostrar habilidades incríveis, e conquistarem um futuro melhor. Vamos focar em ajudar pessoas”, destaca Fábio.

“Nunca desista dos seus sonhos” - Ana Lilia Arnal Conte
A Tribuna - O que você sente ao ter a oportunidade de realizar essa exposição?
Ana Lilia - Sinto que estou tendo um renascimento, e que muita coisa boa ainda vai acontecer na minha vida. Por vezes, eu olho para meus quadros e pergunto se fui eu mesmo que pintei. Esse é o meu legado, o que vou deixar quando eu me for, porque eu não sou Faraó, não vou levar nenhum bem material comigo.
- Qual a inspiração para os seus quadros?
Tenho gostado de pintar o abstrato. Mas, na exposição, eu tenho paisagens, flores e padrões geométricos. Também já pintei muitos lugares onde vivi, e que fizeram parte da minha trajetória, como a Curva da Jurema, a Orla de Camburi e outros lugares.
- Como você pinta seus quadros?
Eu sento no chão, boto meu material perto, olho para a tela em branco e a inspiração bate. A não ser, claro, que eu tenha uma encomenda. A maior parte dos meus quadros eu pintei com os dedos, em tinta acrílica, acrilex ou tinta à óleo.
- E como estão as vendas?
A todo vapor. De 2023 até agora eu já vendi 2.800 quadros. Só neste ano, eu já vendi 502 telas, e eu tenho a contagem porque escrevo a numeração atrás da tela.
- Como era vender sua arte enquanto vivia nas ruas?
Era sensacional, foi o que me deu ânimo. Eu e um colega apresentávamos meus quadros no ônibus durante as viagens, a gente também ia para a frente dos restaurantes, principalmente na Rua da Lama e no Triângulo, em Vitória.
Os donos dos estabelecimentos davam a maior força, deixavam a gente entrar nos espaços e apresentar os quadros para os clientes. No início, vendíamos de 15 a 20 quadros por dia, e eu fui vendendo cada vez mais. Apesar de vendê-los por um valor baixo, de R$ 10, eram muito significativas as vendas. As tintas eu ganhava de doação.
- Você já sofreu preconceito após sair da situação de rua?
Ninguém do instituto que propôs o meu resgate me tratou mal. O preconceito eu sofri de pessoas que viveram comigo na infância, que estudaram comigo. Mas não há problema porque, na rua, eu aprendi a dar valor às coisas, a ter humanidade, foi onde senti Deus perto de mim. Meu ânimo de viver vem de querer superar meus problemas, de levar meu legado de bondade, felicidade e paz.
- Qual conselho você dá para quem está passando ou já passou pelo que você viveu?
Que nunca desista, porque a vida está aqui para ser vivida. Por mais difícil que os sonhos pareçam, eles podem acontecer, então nunca desista dos seus sonhos e da sua própria vida. Tenha a certeza de que algo melhor está para acontecer com você, a vida está aqui para ser vivida sempre.
SERVIÇO
Exposição Renascimento
Onde: Espaço Cultural do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). End: Rua Desembargador Homero Mafra, 60, Enseada do Suá, Vitória.
Quando: Até o dia 26 de setembro.
Horário: Das 12h às 19h.
A entrada É gratuita, mas é necessário apresentar carteira de identidade na portaria do Tribunal.
35 obras compõem a exposição.
Os quadros estão à venda, e os preços devem ser consultados no local. Todo o valor arrecadado será enviado para a artista.
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