“Remédio do futuro vai ajudar o corpo a gastar calorias”, diz especialista
Medicamento à base de mirabegrona, que ainda está em estudo para o tratamento da obesidade, deve chegar ao mercado em 10 anos

Já imaginou fazer uso de um medicamento que, além de inibir a fome, irá estimular o gasto calórico? Pois um remédio do futuro vai ajudar a gastar calorias. É o que afirma o professor doutor Licio Velloso, médico imunologista e coordenador do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (Cepid-OCRC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A convite da Unicamp, A Tribuna participou de um evento em São Paulo que reuniu profissionais de todo o Brasil no início desta semana, onde o assunto foi abordado.
“Facilmente teremos perda de 30% de peso corporal em até oito meses de uso. E isso igualará os resultados que obtemos, atualmente, com uma cirurgia bariátrica, em que é necessário mudar a anatomia do intestino e o formato do estômago do paciente”, disse o professor. A expectativa é de que o medicamento, à base de mirabegrona, esteja disponível em aproximadamente 10 anos.
A Tribuna Como funcionam os remédios disponíveis no mercado para combater a obesidade?
Licio Velloso - Os medicamentos aprovados para comercialização no Brasil agem no hipotálamo, região do cérebro que regula a sensação de fome e saciedade através de neurônios específicos.
Se o hipotálamo estiver bem, esses neurônios passam por ciclos contínuos ao longo do dia. Mas se a pessoa estiver se alimentando mal, essa parte do cérebro fica danificada e desregulada.
É aí que entram remédios aplicados como as canetas emagrecedoras, que aumentam a atividade de neurônios que diminuem a sensação de fome.
Qual a perda de peso esses dispositivos geram?
As canetas emagrecedoras, que injetam liraglutida, semaglutida ou tirzepatida, reduzem mais de 20% do peso corporal do paciente. São medicamentos seguros e com boa potência. Apesar disso, requerem receita, são caros e não curam a obesidade, apenas a controlam. Se o paciente parar de usar, voltará a ganhar peso.
Qual será o avanço com o novo remédio?
Facilmente teremos perda de 30% de peso corporal em até oito meses de uso. E isso igualará os resultados que obtemos, atualmente, com uma cirurgia bariátrica, em que é necessário mudar a anatomia do intestino e o formato do estômago do paciente. A grande inovação é que, além de gerar redução da fome, esse remédio vai acelerar a perda de calorias, efeito que precisamos para combater, com alta eficácia, a obesidade.
Ele funcionará com a mesma substância?
Não, será à base de mirabegrona. Atualmente, é utilizada para tratar a doença da bexiga neurogênica, em que o paciente não consegue controlar bem o momento de urinar. O remédio atua ajudando a controlar as contrações da bexiga, além de aliviar a incontinência.
E por que o remédio ainda não é utilizado para tratar a obesidade?
A dose receitada para pacientes com bexiga neurogênica é de 50mg por dia. Para o aumento da perda de calorias, é necessário ministrar 200mg diariamente, e essa quantidade ainda não é segura, pois aumenta a frequência cardíaca, a pressão arterial e gera arritmia, o que inviabiliza o uso dessa substância para a obesidade. Portanto, é muito importante destacar que medicamentos com mirabegrona não devem ser usados para emagrecimento, apenas com prescrição médica.
Quando o medicamento estará disponível em farmácias?
Em menos de 10 anos é muito provável que esse remédio estará nas prateleiras, e isso pode acontecer até antes. A classe médica não imaginava que teríamos remédios tão potentes disponíveis hoje, que são as canetas emagrecedoras.
Tem muita gente estudando o uso desse medicamento, muitos centros de pesquisa, e também há muito investimento da indústria farmacêutica para alcançar o resultado esperado com o remédio.
A tendência é que o remédio chegue com preço alto?
Não, esse medicamento não é tão caro, é de custo moderado. Inclusive, o preço da semaglutida tende a cair bastante no próximo ano, porque, quanto mais competição temos no mercado, mais cai o preço dos remédios.
Existem outros medicamentos disponíveis no Brasil para obesidade?
Sim, a Sibutramina, que causa redução de 5% do peso corporal, e o Orlistate. Esses dois já estão aprovados há mais de 20 anos para uso, e são baratos, mas são bem menos potentes que as canetas emagrecedoras, e também precisam de receita.
Algum desses remédios é ofertado pelo SUS?
Nenhum. A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) está lutando há anos para a introdução de, ao menos, um desses medicamentos no SUS, mas isso nunca foi aceito. Hoje em dia não dá para falar que é por razão de custo, porque a Sibutramina e Orlestate estão baratos.
Acho que quem faz a avaliação do requerimento não avalia a importância de encarar a obesidade como doença para combatê-la efetivamente. A redução da obesidade no Brasil diminuiria, consequentemente, a quantidade de pessoas com diabetes e com doenças cardiovasculares, cujo tratamento custa muito ao SUS.
Alguma fatia da população seria mais beneficiada?
Hoje, temos mais pessoas com obesidade entre as fatias mais pobres da população do que entre as mais ricas. Se pudermos tratar essas pessoas com medicamentos contra a obesidade seria fantástico, e isso já é possível do ponto de vista operacional.
A patente da Liraglutida já acabou, e o medicamento está sendo fabricado pela PMS, laboratório brasileiro que fabrica genéricos. Ou seja, você já consegue comprar Liraglutida genérica, e de boa qualidade, em farmácias.
Perfil
Licio Velloso
Formado na Unicamp, é professor titular de Medicina da área de Imunologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade, e coordenador do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (Cepid-OCRC) que atua no campus.
Com doutorado pela Universidade e Uppsala (Suécia) e pós-doutorado em Harvard (EUA), atua na investigação de mecanismos moleculares e celulares que participam da gênese da obesidade, diabetes mellitus, e outras condições que geram inflamação metabólica.
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