Reforma administrativa pode trazer remuneração menor nas estatais
Proposta é que estatais não dependentes e não listadas em Bolsa se submetam ao teto remuneratório do serviço público
Escute essa reportagem

O relator da reforma administrativa, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), quer apertar o cinto nas estatais.
A proposta é que estatais não dependentes e não listadas em Bolsa se submetam ao teto remuneratório do serviço público.
Em entrevista ao Valor Econômico, o parlamentar afirmou que a medida visa abrir espaço no orçamento, cortando excessos e dando um destino mais eficiente ao dinheiro público.
As estatais classificadas como não dependentes são aquelas que não contam com repasses de verbas do governo.
Nelas, o limite salarial previsto para o funcionalismo público não precisa ser seguido.
Ou seja, essas companhias têm autonomia para oferecer remunerações superiores ao teto estabelecido para a administração pública.
É o caso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em abril, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que os salários de empregados e dirigentes do banco de fomento não estão sujeitos ao teto remuneratório constitucional.
Apesar de o BNDES contar com recursos do Tesouro Nacional e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o entendimento da Corte é de que o banco de fomento não se enquadra como estatal dependente.
O argumento é que as operações criam receitas suficientes para cobrir custos operacionais, além de repassar dividendos substanciais à União.
O advogado Harlen Marcelo Pereira, especialista em Direito Administrativo e mestrando em Direito Público pela FGV-SP, falou sobre a proposta.
“A proposta limita os salários de diretores de estatais não dependentes do Tesouro ao teto do funcionalismo, que é o subsídio de ministros do Supremo Tribunal Federal”, explica.
Segundo ele, apenas presidentes e vice-presidentes ficam de fora. Isso indica que a remuneração de executivos dessas empresas deve, de fato, cair.
“Mas o próprio relator reconhece que a reforma não deve gerar economia imediata: os ganhos são esperados apenas no médio e longo prazo”, completa Harlen Marcelo Pereira.
Votação
Pedro Paulo tem procurado ouvir as bancadas, em Brasília, a fim de construir um acordo amplo que leve o projeto direto ao plenário, evitando alterações que possam enfraquecer a reforma.
O parlamentar ainda deverá se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antes da votação, prevista para o mês que vem.
Entenda
Concurso público
O Concurso Nacional Unificado (CNU) pode ser ampliado para vagas em estados e municípios, o que reduzirá custos. O objetivo, para o relator, é fortalecer a transparência e unificar os processos seletivos.
Transparência e metas
Chefes de governo (presidentes, governadores e prefeitos) terão até 180 dias após a posse para apresentar plano de metas para todo o mandato de quatro anos.
O plano visa acompanhar resultados e monitorar políticas públicas com metas claras.
Avaliação de desempenho
A reforma prevê que os servidores tenham avaliação periódica, com bonificação para cumprimento de metas. O foco é na meritocracia, garante o relator; não há previsão de demissão por baixo desempenho.
Atos rastreáveis
A reforma administrativa prevê a criação de identidade única para servidores. Os atos terão de ser digitais rastreáveis, o que aumentará a transparência e o controle.
“Reformas podem ser discutidas”
Diante da expectativa pela apresentação do novo texto da reforma administrativa nas próximas semanas, o presidente da Associação dos Procuradores do Espírito Santo (APES), Gustavo Sipolatti, se posiciona em defesa do diálogo e da preservação da estrutura do Estado.
“Vivemos um momento em que muito se fala em uma reforma administrativa. O texto deve ser protocolado nas próximas semanas e discutido em comissão especial antes de seguir ao plenário da Câmara, justamente por isso é importante reafirmarmos alguns princípios. O País pede diálogo. O cenário político exige compreensão”, disse Gustavo Sipolatti.
No seu entendimento, reformas podem — e muitas vezes devem — ser discutidas e conduzidas. “É sempre possível avançar em pontos de melhoria, buscar maior eficiência e aperfeiçoar o serviço público, sem, contudo, comprometer o funcionamento do Estado, que é a base de sustentação da vida social e da garantia de direitos”.
Ainda segundo ele, a advocacia pública, nesse contexto, ocupa um papel fundamental. “É a instituição que defende o interesse da sociedade e zela pelo patrimônio público, garantindo juridicidade, equilíbrio fiscal e segurança nas políticas públicas. Sempre estivemos e continuaremos atentos a qualquer alteração que impacte a estrutura do Estado, porque nossa preocupação central é com a cidadania e com a efetividade da Constituição”.
Seja qual for o desenho da reforma, como Gustavo Sipolatti reforça, a posição será sempre a de colaborar para que o país avance, sem retrocessos que comprometam o serviço à população.
“Estamos abertos ao diálogo, convictos de que o Brasil só se fortalece quando se respeita a institucionalidade e quando as mudanças vêm para servir, e não para fragilizar, a sociedade”, finalizou o presidente da Apes.
Debate no Congresso Nacional sobre tema
O texto da reforma administrativa deve ser protocolado oficialmente nas próximas semanas e discutido em comissão especial antes de seguir ao plenário da Câmara.
Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), avalia que a medida, assim como a reforma tributária, tem potencial para ser uma das principais mudanças estruturais do país nos próximos anos.
Para o relator da reforma administrativa, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) o objetivo é construir um entendimento prévio para evitar impasses na votação.
“Vamos levar os textos às bancadas nesta semana e na próxima”, disse o relator da proposta.
Dificuldade
Coordenador da bancada federal capixaba, o deputado Josias da Vitória (PP-ES), disse que a Federação União Progressista se reuniu ontem com o relator da reforma, deputado Pedro Paulo, que apresentou o texto inicial para a bancada.
“A construção para a votação está começando, ainda não temos uma previsão, mas sabemos que é um dos temas mais difíceis para deliberar”, disse o deputado federal capixaba.
Fonacate articula mobilização no País
O Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate) aponta riscos para a reforma administrativa e articula mobilização nacional em defesa do serviço público, com paralisação das atividades em todo o país. O dia do ato ainda será divulgado.
“Deram uma nova roupagem à PEC 32, com o objetivo de angariar apoio popular”, destacou o presidente do Fórum, Rudinei Marques.
A afirmação faz referência, por exemplo, ao fim das férias de 60 dias no Legislativo. Outra proposta apontada como preocupante é a criação de uma tabela única e o consequente achatamento dos salários iniciais.
Análise
“A modernização da gestão pública proposta é bem-vinda”
“O cenário fiscal brasileiro exige medidas estruturantes. Com uma dívida pública que consome uma parcela crescente do orçamento e gastos com pessoal que representam cerca de 13% do PIB — significativamente acima da média de 8,8% dos países da OCDE —, a reforma administrativa se apresenta como uma resposta técnica a um problema concreto de sustentabilidade das contas públicas.
A modernização da gestão pública proposta é bem-vinda do ponto de vista da eficiência administrativa. No entanto, a implementação de novas estruturas salariais e de sistemas de avaliação de desempenho demandará investimentos significativos em tecnologia e capacitação — custos que devem ser considerados nas projeções de economia.
O aspecto mais preocupante reside na execução. Reformas dessa magnitude exigem planejamento meticuloso, cronograma realista e, sobretudo, diálogo constante com os servidores”.
MATÉRIAS RELACIONADAS:




Comentários