“Se deixe fluir”
Às vezes, o mais corajoso é apenas estar — sem pressa, sem luta, apenas presença
Talvez não seja preciso travar tantas batalhas todos os dias. Talvez haja dias em que a melhor escolha seja não escolher nada. Não debater, não opinar, não mudar estratégia. Apenas deitar, ouvir a vida passando como uma brisa leve e permitir-se estar.
Tenho pensado nisso enquanto a preguiça me visita. Não aquela preguiça pejorativa, mas uma espécie de suspensão. Preguiça de argumentar, de confrontar, de abrir mais uma frente de guerra. Preguiça de vestir armaduras.
Às vezes, simplesmente apagar a luz, fechar a porta e deixar o mundo gritar lá fora parece ser suficiente.
Mas, no fundo, não é disso que se trata. Porque não dá para se esconder do mundo todos os dias. Há contas para pagar, trabalhos para fazer, pessoas para encontrar. Esse “quarto escuro” talvez não exista fora de nós — ele precisa existir dentro.
É como estar no meio do trânsito e, ainda assim, encontrar uma fresta de silêncio. Como trabalhar sem se deixar levar pelas fofocas ou pelos atritos, apenas seguindo, respirando, deixando fluir.
Na Psicologia Humanista, Carl Rogers falava sobre a aceitação incondicional. Aceitar não é desistir. É reconhecer que, em certos momentos, nada precisa ser forçado.
Não há “dever-ser”, apenas a vida em movimento, pedindo menos controle e mais presença. Quando conseguimos apenas estar, sem exigências imediatas de mudança, criamos espaço para que algo dentro de nós se reorganize naturalmente.
Talvez seja por isso que o estoicismo me vem à mente. Marco Aurélio escreveu que “a felicidade da sua vida depende da qualidade dos seus pensamentos”. Os estoicos não esperavam que o mundo fosse calmo; eles aprendiam a cultivar a calma mesmo quando o mundo estava em guerra. Não é sobre fugir da cidade para uma cabana silenciosa, mas sobre manter um espaço interior que não se deixa arrastar por cada barulho externo.
É a habilidade de caminhar entre multidões sem carregar a urgência de reagir a tudo, de participar de conversas sem se perder nelas, de continuar respirando como quem observa o rio passar.
E não há nada de errado nisso. Não há nada de errado em se permitir não opinar, não discutir, não resolver. É apenas um jeito de se recolher para dentro, sem precisar fugir para longe.
Talvez seja como fechar os olhos no meio do barulho e, mesmo assim, encontrar um instante de calma só seu. Um silêncio portátil, que cabe dentro de qualquer rotina — no ônibus, na mesa de trabalho, entre uma tarefa e outra.
E quem sabe seja exatamente nesse intervalo de calma — não de fuga, mas de escolha — que a vida encontra um jeito de se valorizar sozinha. Porque, no fundo, não é o mundo que muda: somos nós que, entre uma reunião e outra, entre um café e um suspiro, aprendemos a nos recolher sem desaparecer.
Aprendemos a estar no meio de tudo e, ainda assim, deixar fluir. Talvez seja só isso. E, por algum motivo, parece suficiente.
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