Lúcia Barros: “Ser multitarefa pode piorar a produtividade”
Ao fazer várias tarefas ao mesmo tempo, o cérebro muda de foco rapidamente, o que tem um custo alto para o corpo e a mente
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A ideia de que fazer muitas coisas ao mesmo tempo nos torna mais eficientes é um mito perigoso. É o que defende a escritora, professora e palestrante Lúcia Barros. Para ela, ser uma pessoa multitarefa é uma “ilusão”.
De acordo com a especialista, o que o cérebro faz é mudar de foco rapidamente, e isso tem um custo alto demais para o corpo e a mente.
Esse e outros temas são abordados em palestras, onde Lúcia reflete sobre os impactos da distração constante na produtividade, nas relações e na saúde mental.
Aprender a estar verdadeiramente presente é o caminho para lidar com um mundo acelerado, ansioso e sobrecarregado. “O cérebro foi feito para prestar atenção em uma coisa por vez. Quando tenta fazer várias, entra em sobrecarga”.
Esse esforço contínuo gera exaustão, estresse e uma queda no rendimento cognitivo — além de afetar decisões, relações e o próprio bem-estar.
A Tribuna: Afinal, ser multitarefa piora a produtividade?
Lúcia Barros: Com certeza. Porque, na verdade, o cérebro humano — o cérebro do homo sapiens — não foi feito para fazer várias coisas ao mesmo tempo. A multitarefa é uma ilusão.
O que o cérebro faz muito bem é trocar rapidamente de foco. E ele faz isso em milésimos de segundo, então dá aquela sensação de que você está fazendo três, quatro coisas de uma vez. Mas não está. Está só mudando o foco rapidamente, e isso tem um custo alto.
E o que seria esse custo?
É um cansaço tremendo, tanto para o corpo quanto para a mente. Ou melhor: para o corpomente, que é como eu gosto de dizer, tudo junto mesmo, porque a gente é um só organismo.
Essa troca constante de foco gasta energia, esgota o sistema nervoso e aumenta a ansiedade. E tem mais: reduz nossa capacidade de pensar com clareza, de analisar com profundidade e de tomar decisões bem fundamentadas. Tudo isso junto leva à queda de produtividade.
Quanto mais a gente tenta ser produtivo, menos conseguimos?
Exatamente. Muita gente acredita que ser multitarefa é uma forma de economizar tempo e ser mais eficiente. Mas diversos estudos, inclusive da Universidade de Stanford, mostram que isso é um tiro no pé. Se você faz uma coisa por vez, com atenção total, você faz mais rápido e com menos erro. Já quando tenta fazer várias ao mesmo tempo, você se desgasta, erra mais e leva mais tempo.
E como isso se conecta à transtornos como burnout?
Estamos vivendo um cenário de sobrecarga crônica. E não é de agora. Mesmo antes da pandemia, o mundo já enfrentava uma crise de saúde mental. Mas depois da covid-19, essa crise se intensificou.
O Brasil, por exemplo, é um dos países com maiores índices de ansiedade e depressão. E isso impacta tudo: trabalho, relações familiares, autoestima, criatividade.
A pessoa ansiosa vive em alerta, sempre esperando o pior, e não consegue enxergar saídas. Fica girando em círculo, exausta.
Esse estado constante de alerta tem relação com a forma como vivemos e consumimos informação hoje?
Totalmente. Nós estamos sempre plugados, conectados, consumindo conteúdos em velocidade acelerada. Vídeos em 2x, áudios acelerados, respostas instantâneas. Tudo isso cria ruído mental. A gente não tem mais tempo para digerir, para respirar, para escutar com atenção. Isso interfere diretamente na qualidade da nossa presença. E é esse o ponto central da minha nova palestra: a crise do foco nasce da nossa incapacidade de estar verdadeiramente presentes no aqui e agora.
Você costuma dizer que hoje o maior problema das instituições é a “presença parcial”. Pode explicar melhor esse conceito?
Quando falo em instituições, estou falando de tudo: escola, empresa, governo, família. O que vejo é que as pessoas estão em todos esses lugares, mas só com uma parte de si. Estão com o corpo presente, mas com a mente em outro lugar. Pensando no e-mail, no boleto, no próximo compromisso.
Essa fragmentação da atenção tem consequências graves. Você perde profundidade nas conversas, na entrega de um trabalho, na criação de vínculos. É uma crise que atravessa todas as áreas da vida.
E quais os reflexos disso nas relações pessoais?
São enormes. Uma pessoa ansiosa e sobrecarregada não consegue se conectar de verdade com os outros. Isso afeta casamentos, amizades, relação com os filhos.
E veja: uma criança, por exemplo, não faz autorregulação emocional. Ela aprende observando o adulto. Se o adulto está desregulado, ansioso, ela vai reproduzir isso.
Então há impactos emocionais geracionais. E a raiz disso muitas vezes está na forma como a gente vive e usa o nosso tempo.
Como podemos reverter esse cenário? É possível recuperar o foco hoje em dia?
Sim, mas exige uma reprogramação da nossa presença. Significa aprender a desacelerar, a reduzir estímulos, a escutar de verdade, não para responder, mas para compreender. A presença plena é um treino. Exige que a gente aprenda a se desligar um pouco do ruído externo e reconectar com a gente mesmo. Isso também é produtividade, uma que não é só financeira, mas humana, emocional, relacional.
Por fim, além de desacelerar e focar em uma tarefa de cada vez, quais dicas práticas você daria para melhorar a produtividade e o bem-estar?
Primeiro, tenha momentos do dia sem telas, sem notificações. Segundo, estabeleça blocos de atenção plena para suas tarefas, com pausas programadas.
Terceiro, cuide das relações. O tempo dedicado à escuta, ao afeto e à convivência é tão importante quanto o tempo de trabalho.
E, por fim, escute o próprio corpo. Se está cansado, pare. Produtividade de verdade não é sobre fazer mais. É sobre estar inteiro naquilo que se faz.
PERFIL
Lúcia Barros
A palestrante é fundadora da Life is Good Academy (LIG), plataforma de educação on-line voltada para saúde e alta performance.
Ela é autora de obras publicadas pelo Companhia das Letras e pela editora americana The Experiment.
Também atua como professora e pesquisadora. Criou a disciplina de Ciência da Felicidade e Mindfulness na ESPM e leciona Mindful Leadership na Nottingham Business School, na Inglaterra.
Lucia é pós-graduada em Neurociência do Comportamento, especialista em Mindfulness e Ciência da Felicidade, e tem dois mestrados pela University of London, em Sociologia e em Jornalismo.
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