Muito além da timidez: “Um simples olhar me deixava paralisada”, diz advogada
Fobia social vai além da timidez e pode comprometer rotina, relações e bem-estar

Na adolescência, uma advogada de 27 anos, que preferiu não se identificar, conta que sentia medo de estar em locais cheios, evitava apresentações de trabalho e inventava desculpas para não ir às festas.
Pensar em entrar numa sala cheia de gente, conta, a fazia ficar vermelha, seu coração disparar e até ter falta de ar.
“Na escola, nunca consegui me sentar nas primeiras fileiras, porque a simples ideia de alguém me olhar já me deixava paralisada. Aos poucos, comecei a me isolar cada vez mais”.
Na faculdade, a situação piorou. “Cheguei a acreditar que nunca teria uma vida normal, que sempre seria limitada pela fobia”.
Psicólogo, Bruno Brito explica que uma das barreiras para o diagnóstico é a dificuldade que o paciente tem para buscar ajuda, uma vez que tem que lidar com seu medo de julgamento e interações sociais. Em geral, buscam quando desenvolvem outro quadro, como depressão.
“O Transtorno de Ansiedade Social (TAS) é um transtorno crônico, ou seja, se o paciente não buscar um tratamento adequado, há baixas chances de remissão espontânea dos sintomas”.
Em casos graves, sem tratamento e rede de apoio, o TAS pode levar a um sofrimento intenso que culmina em pensamentos suicidas, acrescenta a psiquiatra Fernanda Júdice.
A advogada anônima procurou ajuda médica aos 25 anos. “Hoje não digo que estou 100% livre, mas posso dizer que voltei a ter vida. Consigo participar de reuniões de trabalho sem aquele pânico de antes e até apresentei um projeto que foi muito elogiado”.
No início, ela conta que teve dificuldade de aceitar que precisava de tratamento.
“Foi um alívio enorme perceber que eu não precisava ser prisioneira da ansiedade. Procure ajuda. Tratamento não transforma a gente de um dia para o outro, mas abre portas que antes pareciam trancadas para sempre”.
Critérios identificam transtorno
É fácil confundir a fobia social com a timidez. Mas especialistas alertam: a timidez é uma característica de personalidade, embora cause desconforto, a pessoa consegue seguir com a vida. Já a fobia social é um transtorno psiquiátrico.
“A diferença entre timidez e fobia social está no impacto. A timidez é um traço: a criança demora um pouco, mas se solta. Já a fobia social é um transtorno: o medo é desproporcional, dura meses e atrapalha rotina, vínculos e desempenho”, explica a psicóloga Karla Cardozo.
A regra para diferenciar as duas, segundo Karla, é observar três pontos: intensidade, duração e impacto na vida.
Bruno Brito, psicólogo e mestrando da Universidade Federal do Espírito Santo, acrescenta que uma pequena parcela das pessoas tímidas respondem a critérios para a fobia social.
“Em alguns casos, a timidez, ou a inibição social, pode evoluir para um quadro de ansiedade social, se não houver tratamento adequado”.
É possível prevenir isso, acrescenta a psiquiatra Fernanda Júdice, especialista em transtornos psiquiátricos.
“Relações saudáveis e um ambiente compreensivo funcionam como fatores de proteção para essa evolução”.
Acolhimento, incentivo à convivência em ambientes seguros, apoio familiar e escolar e valorização da autoestima, são formas de prevenção, segundo a especialista.
Medo de ser julgada

“O que o outro vai pensar?”, “Aquilo que eu fiz não está bom”. Esses são alguns pensamentos que passam na cabeça de Thalia Santos, 27, quando ela tem que interagir socialmente . “A minha mente sempre fica assim, buscando um ponto negativo na visão do outro. Pensei que todo mundo pensava da mesma forma que eu”, explica a assistente de departamento pessoal.
Ela descobriu que não quando foi diagnosticada com fobia social, entre 2021 e 2022. “Sempre tenho esse receio de ser julgada. Para os outros é como um copo cheio de água. Para mim pesa como um mar”.
Thalia conta que o diagnóstico foi um alívio e que a terapia tem a ajudado.
“Não desejo a fobia social para ninguém, mas através do conhecimento a gente consegue lidar e viver melhor”, ressalta.
“Parecia que ia infartar”

“Me diziam que ficar nervosa era normal e que com o tempo passaria. Só que nunca passou”, conta a professora de Educação Física Sarah Marques, 26. Desde criança ela sentia os sintomas da fobia social, porém só foi diagnosticada aos 22 anos.
“Eu costumava cantar na igreja, mas sempre que fazia isso, sentia tremor no corpo, ficava gelada e suava bastante, além do coração acelerar muito. Parecia que ia infartar a qualquer minuto”.
Ela conta que sentia isso toda vez que precisava falar em público ou estar em evidência. Como nunca melhorou, buscou a terapia. “Seria bom ter identificado antes”.
Sarah relata que ajudou, mas é um longo processo. Hoje diz que busca formas de não ser parada pelo medo. “Sou contralto em um grupo de coral. Mas não canto sozinha. Isso me deixa mais tranquila”.
Tecnologia pode ser um risco, mas também aliada
Cada vez mais presente no dia a dia, a tecnologia pode acentuar a fobia social, mas também pode ser uma aliada no processo de cura, destacam especialistas.
“Hoje em dia é possível resolver quase tudo pela internet, sem precisar interagir diretamente com outras pessoas. Isso, se por um lado facilita a vida, por outro reforça o isolamento e a dificuldade de encarar situações sociais”, destaca a psiquiatra Fernanda Júdice.
Algumas pessoas podem utilizar o ambiente on-line como uma estratégia de evitar as relações presenciais, acrescenta o psicólogo Bruno Brito. Destaca ainda que as redes sociais podem intensificar autocrítica e comparação, além de expor a julgamentos constantes.
“Lidar com a fobia fora do contexto virtual pode possibilitar a construção de uma vida mais ampla, como a participação em diferentes grupos e momentos de lazer com outras pessoas”.
Mas o profissional admite que é possível encontrar suporte em ambiente virtual numa fase inicial do tratamento.
“Usada com critério, a Inteligência Artificial pode ajudar no tratamento, por exemplo, em ensaios de conversas, roteiros de fala ou preparação para exposições. O ponto central é lembrar que a tecnologia deve ser apoio, nunca substituto do encontro real”, adiciona a psicóloga Karla Cardozo.
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