Damião Silva, psicólogo e pedagogo: “Maioria dos superdotados não é diagnosticada”
Especialista explica que uma identificação correta dá oportunidade ao superdotado de viver de forma adequada e saudável
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A superdotação, uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada pelo alto nível de inteligência em uma ou mais áreas de interesse, ainda é repleta de mitos e estereótipos. No Brasil, a classificação pode atingir 9% da população, mas os números oficiais não refletem essa parcela.
De acordo com o psicólogo e pedagogo Damião Silva, referência em Educação Inclusiva no País, pessoas superdotadas estão no dia a dia de todos: na escola, no trabalho, na família e entre os amigos. “A maioria dos superdotados não é diagnosticada no Brasil”, diz.
Para promover o diálogo sobre a condição, a Escola Americana de Vitória convidou o especialista para uma palestra no evento “Vivendo a Superdotação - Edição Vitória/ES”, que aconteceu no último sábado (21), na sede da escola, em Bento Ferreira, Vitória.
O jornal A Tribuna participou da cobertura e entrevistou o especialista. Ele explica o que é a superdotação e quais são os desafios para garantir qualidade de vida para pessoas que vivem com a condição.
A Tribuna - Quais são os parâmetros para classificação de pessoas com altas habilidades?
Damião Silva - "São parâmetros cognitivos, emocionais e comportamentais. Pessoas superdotadas são emocionalmente mais intensas e sensíveis, além da habilidade acima da média em alguma área. Ou seja, são pessoas que têm uma predisposição genética para desenvolver alguma habilidade muito acima da média, por exemplo, nos esportes, na dança, na música e nas habilidades comunicacionais. Cerca de 9% da população mundial é superdotada.
As características comuns são comportamentais. Pessoas superdotadas são mais curiosas, criativas e questionadoras. Há um senso de justiça muito mais agudo, elevado. Além disso, essas pessoas sentem de forma mais intensa e têm um grau de perfeccionismo muito elevado. Essas características independem do tipo de superdotação."
Quais dificuldades podem afetar essas pessoas?
"Essas pessoas enfrentam todas as dificuldades. O perfeccionismo, por exemplo, leva a um lugar de não produção e, por isso, a pessoa pode ficar mais procastinadora, mais ansiosa e com mais autocobrança. Isso faz com que elas criem expectativas sobre os outros. A saúde mental pode ficar muito prejudicada."
Há uma subnotificação de pessoas superdotadas?
"Eu diria que há uma subidentificação. É preciso identificar para, depois, notificar. Além disso, há erros em diagnósticos, com pessoas superdotadas sendo diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), por exemplo.
É preciso compreender o que é a condição, de maneira mais adequada. Existe uma compreensão muito falha tanto na saúde quanto na educação. Essa subidentificação acontece pela falta de políticas públicas efetivas. Uma identificação correta oportuniza o superdotado a viver de forma adequada e saudável.
Eu diria que a maioria dos superdotados não é diagnosticada no Brasil. Esse cenário está impactando a nossa saúde. As pessoas estão perdendo oportunidades de criar coisas que podem mudar a história da humanidade."
Qual é o papel da escola nessa identificação?
"Acho que o papel das nossas políticas públicas é dar condições para que os professores possam identificar esses alunos. Hoje, falta formação para isso. Como vou te dizer ‘mergulha’ se você não sabe nadar? As pessoas superdotadas estão aqui, mas esperamos que seja aquela que construiu um robô aos cinco anos e, hoje, pilota uma Ferrari em São Paulo.
Uma escola com condições de identificar os alunos pode fazer com que eles prosperem. Acredito que as escolas possam se preparar formando seus professores. Essa é uma obrigatoriedade nos setores público e privado: todos devem fornecer formação continuada aos professores.
Sem formação, vamos patinar e continuar no século XIX. Se continuarmos nesse patamar, estaremos distantes de um cenário positivo. Precisamos mudar o currículo de base da educação e inserir disciplinas sobre superdotação na graduação."
O diagnóstico é elitizado?
"Quem tem dinheiro tem fácil acesso, porque uma variação neuropsicológica não é barata. Fiz uma pesquisa com 200 superdotados e só consegui encontrar quatro negros em um país de maioria negra.
A desigualdade social, sem dúvidas, se impõe como um desafio, assim como as questões raciais e de gênero. As meninas também tendem a ser mais camufladas e, por isso, só conseguem o diagnóstico quando são adultas. Ou seja, elas passam por uma vida inteira fingindo ser quem não são. Muitas vezes, são diagnosticadas com depressão, ansiedade ou pânico.
Já avaliei uma juíza que passou em um concurso com quase 20 mil pessoas e, ainda assim, me dizia que a vida não estava boa. Eu disse: ‘você passou em um concurso com quase 20 mil pessoas’. A pessoa não entende que existe uma questão de identidade. Quanto mais cedo ocorrer o diagnóstico, melhor."
Como oportunizar a identificação dessas pessoas?
"A supereducação não é uma condição de classe alta. Precisamos de políticas públicas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Minha mensagem é: percebe uma criança com interesses incomuns, seja na em leitura, na escrita e no interesse em música, por exemplo? Busque conversar com o pediatra, com um professor e um psicólogo."
Quem é
Damião Silva, de 40 anos, conhecido como Dan, é psicólogo, neuropsicólogo, psicólogo escolar e educacional, pedagogo, escritor e palestrante.
Especialista em Educação Inclusiva, é analista do comportamento e especialista em Atendimento Educacional Especializado em Transtorno do Espectro Autista e em Altas Habilidades/Superdotação.
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