Vale e Biancogrés têm projetos à espera de soluções
reço do gás trava investimentos e ameaça operações de grandes indústrias capixabas
Vale e Biancogres estão entre as indústrias do Espírito Santo que têm projetos industriais paralisados devido a problemas com fonte de energia — nesse caso, o gás natural.
Na situação da mineradora, a fábrica de HBI (Hot Briquetted Iron), investimento visto como possível para ser instalado em um terreno de propriedade da Vale em Anchieta, no Sul do Espírito Santo, teria grandes chances de se concretizar caso o preço do gás tivesse redução, explica o engenheiro elétrico e especialista no mercado de energia, Carlos Jardim Sena.
“A produção do HBI, produto 'premium' para exportação, é intensiva no consumo de gás. Ela (a Vale) está competindo no mercado internacional com uma commodity. O custo do gás para ela pode inviabilizar o produto e com isso evitar de fazer um investimento no Estado”, diz.
Para o especialista, a planta pode ser levada para a Região Nordeste do País ou para Minas Gerais, por exemplo, ou até não ser construída, caso o consumo do gás não seja financeiramente sustentável para a empresa.
Já a fábrica de cerâmica Biancogres, que possuía uma cogeração a gás — ou seja, produção simultânea de energia elétrica e térmica a partir de uma única fonte de combustível — parou, há vários anos, de adotar esse modelo, devido ao preço do gás, conta.
“Para produzir energia elétrica ela consome mais gás do que se usar gás apenas no forno. Como o preço da geração não estava interessante para viabilizar a produção, ela optou por desligar a cogeração”.
Essa questão fez acender no radar da empresa a possibilidade de transferência da planta para o Sul do País, onde distribuidoras oferecem preços mais baixos, pontua o especialista.
“Lá no Sul, a distribuidora oferecia um gás mais barato, podendo fazer tanto a cogeração e a viabilização da planta com um custo mais baixo. Eles estavam em um processo de fechar a planta aqui e levar ela para a região.”
Procurada, a Biancogrés não deu retorno sobre o possível encerramento da operação no Espírito Santo até o fechamento desta reportagem. Já a Vale disse que não iria se manifestar.
Energia a preços competitivos e previsibilidade regulatória são demandas da indústria como um todo, aponta o presidente da Federação das Indústrias (Findes), Paulo Baraona.
“Precisamos expandir cada vez mais a rede de gás natural no Estado fazendo com que seja viável para indústrias de diferentes segmentos”, diz.
As alternativas
Solução nas microrredes
Microrredes são apontadas como solução, criando células autônomas de geração, operação e consumo dentro das áreas de distribuição. Esse modelo evita ampliações caras na infraestrutura.
Isso significa a ausência da necessidade de transportar a energia de um ponto a outro do País, a longas distâncias, diminuindo as perdas na rede de transmissão.
Energia nuclear
A energia nuclear, considerada limpa, barata e possível de ser instalada próxima aos centros consumidores, é outra solução possível para o problema energético.
Para especialistas, os SMR ( sigla em inglês para Pequenos Reatores Nucleares), de cerca de 100 megawatts, são a saída para adoção dessa fonte sem provocar riscos.
Essa tecnologia é mais moderna que a utilizada em usinas como a de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, que possui infraestrutura antiga e que precisaria ser totalmente desativada em caso de explosão do reator, diferente do SMR.
Eólica e solar
A geração distribuída — que contempla os painéis solares, usinas eólicas e outras fontes próprias de energia utilizadas por pessoas e empresas — também é uma opção que alivia o sistema, segundo especialista. No entanto, foi implementada de forma desordenada, o que prejudica a adoção em larga escala.
Para um especialista, Criou-se a percepção equivocada de que essa modalidade depende de subsídios. Segundo ele, há cobranças indevidas sobre essa modalidade, como rateios de investimentos que as distribuidoras afirmam fazer, além do repasse de custos de políticas setoriais financiadas pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Gás natural
A ES Gás apresentou em 2025 um plano para os próximos cinco anos, que prevê cerca de R$ 1 bilhão em investimentos para “democratizar o acesso ao gás natural” no Estado, com a construção de 480 km adicionais de rede, a integração de quatro plantas de biometano e a chegada a cinco novos municípios — sendo um deles Anchieta, no Sul do Espírito Santo.
Abertura do mercado é uma saída
A abertura do mercado e a facilitação para a adesão ao ambiente de contratação livre (ACL), ou seja, a flexibilidade de comprar energia do fornecedor que quiser, é a opção defendida por setores da indústria como medida eficaz no momento para barateamento dos custos.
Na prática, empresas podem adquirir energia de distribuidoras de todo o País, que podem transmiti-la a partir do Sistema Inteligado Nacional (SIN) — que conecta o Brasil todo por cabo.
Esse mecanismo também permite que a energia seja comprada para o futuro. Isso quer dizer que ela pode ser adquirida por um preço menor hoje para ser consumida em um prazo de meses ou anos.
Na metalúrgica Metalosa, de Colatina, a compra pelo mercado livre de energia representa uma redução de 30% nos custos — índice melhor do que a do gás natural, conta o presidente da empresa, Lúcio Dalla Bernardina.
“Você tem que comprar no momento que a geração de energia está abundante, como época de chuva. Pode comprar para frente, para um ano, dois anos”, detalha, acrescentando que um ou dois equipamentos movidos a gás na empresa representam 50% do consumo total de energia elétrica.
A geração distribuída, segundo o especialista Carlos Jardim Sena, seria uma opção complementar ao mercado livre de energia, se não fosse a tributação criada para esse mecanismo. Esse modelo considera a geração por painéis solares em casa, por exemplo.
O especialista defende que encargos setoriais pagos por quem implanta painéis solares, por exemplo, deveriam ser retirados.
“Estão querendo cobrar (por algo) que deveriam estar pagando. Como por investimentos que as distribuidoras afirmam estar tendo, sendo que o mercado livre evita custos ”, diz.
Muitos hotéis também já compram energia no mercado livre para reduzir despesas e quando possível investem em energia solar, conta o presidente da ABIH-ES, Fernando Otávio Campos.
Análise
“Transição da matriz é uma necessidade”
“A defesa ambiental se combina com desenvolvimento econômico, geração de empregos e renda, sustentando o objetivo de uma matriz mais limpa.
A transição da matriz energética é uma necessidade urgente, e o Espírito Santo tenta se posicionar à frente desse movimento. O Estado é o único do País com três planos de desenvolvimento de longo prazo.
A presença crescente de carros híbridos e elétricos reforça esse avanço. Estamos entre os líderes em frota e recebemos mais de 80% dos veículos desse tipo que entram no país pelos portos capixabas.
Incentivar energias renováveis, como a fotovoltaica, com ações como o ES Inteligente e estímulos ao uso de energia solar por produtores rurais também são compromissos do Estado.”
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