Mercado de trabalho: ganhos acima de 12 mil sem carteira assinada
Segundo o mentor de carreiras e consultor de desenvolvimento humano Elias Gomes, há uma crescente rejeição ao modelo tradicional da CLT no Brasil
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Ao mesmo tempo em que as empresas atuam para oferecer benefícios para atrair e reter funcionários, há ainda um novo desafio: a rejeição cada vez maior de profissionais pela carteira assinada, que por sua vez vem acompanhada de uma preferência pelo trabalho por conta própria.
Segundo o mentor de carreiras e consultor de desenvolvimento humano Elias Gomes, há uma crescente rejeição ao modelo tradicional da CLT no Brasil, especialmente entre as novas gerações.
Segundo Gomes, essa aversão se deve muito à busca por maior flexibilidade, autonomia e um equilíbrio mais saudável entre a vida pessoal e profissional.
Ele afirma que muitos profissionais consideram o modelo CLT engessado e com poucas oportunidades de inovação ou de crescimento rápido.
“Por isso, há um movimento muito forte de pessoas optando por trabalhar ‘por conta própria’, seja como autônomos, freelancers ou empreendedores. Essa preferência, inclusive, tem gerado desafios para algumas indústrias que buscam preencher vagas CLT, pois há uma escassez de profissionais dispostos a se submeter a esse formato”.
Gomes ainda lista uma série de áreas onde profissionais já buscam trabalhos sem vínculo com a CLT para obter ganhos que ultrapassam os R$ 10 mil.
“Profissionais de áreas como Tecnologia da Informação, Marketing Digital e setores criativos como designers, editores de vídeo e fotógrafos são alguns exemplos. Mas não só eles: a tendência é comum também na área da educação, com professores particulares, e na da saúde, com nutricionistas, psicológicos e personal trainers atuando de forma independente”.
Conforme explica o presidente da presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hoteis do Espírito Santo (ABIH-ES) Fernando Otávio Campos, setores como a construção civil já encaram essa realidade, com profissionais recebendo ganhos extras por produção ou empreitada que podem facilmente ultrapassar os R$ 10 mil.
Para o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado (Findes), Agostinho Rocha, apesar da rejeição ao modelo CLT ser uma tendência nacional, o Espírito Santo tem conseguido manter uma forte geração de empregos formais e investimentos em qualificação.
Só 39% querem CLT, diz Datafolha
Pesquisa Datafolha apontou que 59% dos brasileiros prefeririam trabalhar por conta própria, ante 39% que se sentem melhor contratados por empresa.
O levantamento apontou também que, desde 2022, cresceu de 21% para 31% o número de pessoas que consideram mais importante ganhar mais do que ser registrado. Já os que valorizam a CLT mesmo com salário menor caíram de 77% para 67% nesse intervalo de tempo.
Os que declaram não saber foram 2% nos levantamentos de 2022 e deste ano.
Nos dois anos, as pesquisas foram realizadas presencialmente em todo o Brasil, com margem de erro de dois pontos percentuais, para cima ou para baixo.
A deste ano aconteceu entre os dias 10 e 11 de junho e ouviu 2.004 pessoas em 136 municípios; a de 2022 escutou 2.026 pessoas nos dias 19 e 20 de dezembro em 126 municípios.
Já a pergunta sobre o que é melhor, ser contratado por uma empresa ou ser autônomo, foi feita pela primeira vez neste ano, o que impede a comparação desse quesito.
A preferência por trabalhar por conta própria aparece em todas as faixas etárias e é maior entre os mais jovens. Entre os que têm de 16 a 24 anos, 68% acham melhor ser autônomo, contra 29% que preferem o emprego. Entre os 60+, as fatias são de 50% e 45%, respectivamente.
A fatia dos que valorizam mais trabalhar por conta própria que ser empregado é expressiva entre aqueles que não consideram importante a carteira assinada se a remuneração for maior: chega a 85%, contra 13% que, nesse grupo, veem mais importância nas regras da CLT, mesmo que com salário menor.
Para a advogada especializada em direito do Trabalho, Ana Luiza de Castro, a informalidade no Brasil é alimentada por um conjunto de fatores.
Ela cita dentre esses fatores a rigidez da legislação frente às novas dinâmicas de trabalho, o alto custo da formalização com encargos e tributos, a insegurança jurídica que inibe empresas a inovarem na gestão de pessoas e o impacto do assistencialismo.
“Só no primeiro trimestre deste ano, 25% da população foi beneficiada por programas assistenciais, que levam muitos trabalhadores produtivos a evitarem a formalização com medo de perder o acesso a esses programas”, afirma a advogada.
Trabalho autônomo
59% da população brasileira já preferem o trabalho autônomo, índice que dispara entre os jovens de 16 a 24 anos: fica em 68%, reflexo do apelo exercido pelas promessas de autonomia, liberdade de horários e oportunidades de crescimento pessoal observados em modelos autônomos ou no empreendedorismo, segundo a pesquisa do Datafolha, realizada entre 2022 e 2025.
> A rejeição crescente à CLT parece estar conectada a uma campanha de desvalorização conduzida por coaches e influenciadores, principalmente aqueles inseridos no ambiente digital.
> Esses produtores de conteúdo promovem o empreendedorismo como caminho para o sucesso e a liberdade financeira, frequentemente apresentando o trabalho formal como uma barreira para o crescimento pessoal.
> Essa narrativa, embora atrativa, desconsidera as inseguranças inerentes ao empreendedorismo, onde a ausência de proteção legal e estabilidade financeira são riscos significativos.
> Outro fator que contribui para esse descontentamento é a percepção de que o regime CLT se tornou engessado, dificultando negociações diretas entre trabalhador e empregador.
> Muitos acreditam que os encargos trabalhistas elevam o custo da contratação formal, prejudicando tanto empresas quanto funcionários, sobretudo em setores como tecnologia e comunicação, onde a informalidade e contratos PJ tornaram-se comuns.
> Essa sensação de rigidez faz com que o desejo por alternativas flexíveis ganhe espaço no debate.
Aspectos culturais
Segundo Daniel Duque, economista e pesquisador do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), essa perda de importância da CLT está relacionada a aspectos culturais, como a popularização do trabalho remoto após a pandemia —que vem sendo revertido pelas empresas nos últimos anos a contragosto do trabalhador.
Para o especialista, o movimento também está relacionado com a taxa de desemprego nas mínimas históricas: 6,6% no trimestre encerrado em abril, de acordo com a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE.
Análise
“Estão em alta folgas extras, bem-estar físico e emocional”

“Embora benefícios como 14º e 15º salários ainda sejam exceções e não uma prática ampla por aqui, há um movimento crescente de flexibilização e valorização de práticas como bônus por performance, dias de folga extras, participação nos lucros, incentivos educacionais e benefícios voltados ao bem-estar físico e emocional.
Sobre o cenário da empregabilidade no Espírito Santo, vejo dois movimentos paralelos: de um lado, um crescimento tímido, mas consistente das vagas formais, com geração de novos postos de trabalho ao longo dos últimos trimestres.
De outro, uma expansão da busca por modelos mais flexíveis, especialmente entre os mais jovens e os profissionais de tecnologia, marketing, estética e saúde.
A rejeição à CLT, nesse caso, muitas vezes não é ideológica, mas sim prática: ou pela escassez de boas oportunidades formais, ou pela valorização de autonomia, liberdade de agenda e possibilidade de ganhos variáveis.
Temos, sim, casos de profissionais que ultrapassam a faixa dos R$ 10 mil mensais atuando por conta própria, sobretudo em áreas como tecnologia, consultoria especializada, saúde, estética, marketing digital e educação corporativa.
A lógica nesses casos costuma ser a multiplicidade de fontes de receita, liberdade para negociar honorários e maior controle sobre os próprios horários, o que tem conquistado muitos talentos”.
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