Mercado de engenharia: faltam prática, domínio de ferramentas e preparo emocional
Instituições de ensino analisam novas possibilidades e empresas buscam soluções
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“É impactante para a gente quando os jovens chegam com quase nenhuma afinidade com tecnologias e ferramentas que estão sendo usadas na construção”, relata Fernando Felz, diretor do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Espírito Santo (Sinduscon-ES).
Falta de experiência prática e preparação emocional também são relatadas como problemas por construtoras no Estado.
O currículo atual das instituições de ensino deixa lacunas em competências práticas exigidas no mercado, conta Breno Peixoto, CEO da Nazca Construtora. Alguns exemplos são gestão de obras, orçamentação, legislação, relacionamento interpessoal e tomada de decisão em campo.
Sua empresa tem sentido a diferença por precisar de engenheiros qualificados na parte de orçamento e planejamento, como controle de custo, análise de indicadores e projeções.
“Nós trabalhamos com incorporação, que é diferente dos engenheiros de obra. Temos tido dificuldade em encontrá-los”, destaca. “O currículo das faculdades tende a ser bastante teórico e técnico, o que é importante, mas muitas vezes deixa lacunas em competências práticas. Na nossa visão da Nazca, o que realmente poderia fazer a diferença é o fortalecimento da ponte entre a universidade e o mercado”.
Boa parte dos estudantes que busca estágio não desenvolveu as chamadas soft skills, ou competências comportamentais, e isso os torna profissionais imaturos e de poucas entregas no dia a dia, destaca Martha Zouain, especialista em Recursos Humanos.
O UniSales - Centro Universitário Salesiano vem tentando fechar essa lacuna através da realização de projetos desde o primeiro ano, conta o estudante Daniel Costa Gomes, 23. Ele está no 8º período de Engenharia Civil.

“Junto com a teoria, a gente faz a aplicação em projetos. Nesse período, vamos ter um cliente e aplicar o que aprendemos na disciplina de projetos elétricos”.
Preocupação
O que acontece se faltar engenheiro? Tudo relacionado a engenharia vai ficar escasso, como nanotecnologia e Inteligência Artificial. A industrialização do País será afetada, analisa Geilma Vieira, subchefe do Departamento de Engenharia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “Se hoje um engenheiro que não chega com expertise já dificulta, imagina se faltar?”, reflete.
Ela destaca que as instituições já estão buscando realizar mudanças no projeto pedagógico para prender o interesse dos estudantes e também para se adaptar às tendências do mercado. “Estamos preocupados. A Ufes está atuando para preparar melhor os engenheiros que saem daqui”.
“O jovem precisa ser protagonista da carreira”
Empresas buscam soluções. Instituições de ensino analisam novas possibilidades e encontram caminhos alternativos. Responsável por definir diretrizes e normas da educação superior no País, o Ministério da Educação (MEC) também está agindo, tendo recentemente proibido graduações de Engenharia 100% a distância.
Mas o problema não está apenas na estrutura. Especialistas consultados pela reportagem de A Tribuna, como Clarisse Pereira, coordenadora do UniSales, observam que o perfil do jovem dessa geração não tem interesse em uma graduação como Engenharia, com muito estudo e retorno demorado. “São mais imediatistas, na minha visão pessoal”, destaca a coordenadora.
Para Alexandre Schubert, presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Espírito Santo (Ademi-ES), o cerne está na geração Z, nascidos entre 1997 e 2012, e seu interesse por trabalhos remotos e home office, ao contrário da forma de engenharia mais tradicional, onde a pessoa atua no local.
Para além do interesse, a qualificação dos formados é um problema. Sidcley Gabriel, diretor da Javé, acrescenta que os futuros engenheiros devem ir além das paredes da faculdade e olhar o que o mercado onde desejam ingressar utiliza na prática e estudar. Um exemplo é o Excel. Aprender habilidades comportamentais não é uma opção.
“Não adianta só saber o cálculo. É preciso saber dele e fazer com que as pessoas na obra executem de maneira correta. Para isso, precisa de habilidades como empatia, liderança e comunicação. Meu conselho é: o jovem precisa ser protagonista da própria carreira. O mercado está carente desse tipo de profissional e sempre vai ter lugar para ele”.
“Desafios reais do mercado”

Engenheira civil sênior, Rithielly Polezes, 31 anos, atua hoje como coordenadora de obra na Javé Construções. Ela conta que teve facilidade em ingressar na área desde o início da faculdade. Isso ocorreu, explica, porque já tinha experiência.
Ela começou com o curso de Edificações durante o ensino médio. “Foi um divisor de águas. Me proporcionou estar no mercado cedo, conciliando estudos com experiência profissional desde o início”, relata.
Formada em 2017 e com muita experiência na bagagem, Rithielly conta que o curso de Engenharia Civil poderia trazer mais experiências práticas. Além de incluir conteúdos voltados à gestão de pessoas, comunicação em obras, noções de orçamento e planejamento já no início da graduação . “Seria útil para preparar os alunos para os desafios reais do mercado”.
Responsabilidade

Andressa Maroto tem 38 anos e é engenheira mecânica de segurança. Atualmente, ela atua como professora de Física em Colatina. “Hoje o mercado está bem difícil de alcançar. Dou aula por falta de opção. Se eu conseguisse um emprego como engenheira seria minha primeira opção”, relata.
Ela também conta que as empresas optam por contratar engenheiros usando outras titulações, como analista. “Você tem que assumir toda a responsabilidade de um engenheiro”.
O que fazer para se qualificar?
1) Explore possibilidades
Independentemente da área, a engenharia oferece diversos caminhos. Conhecer as opções durante a graduação ajuda a definir um rumo com mais segurança. Pesquise os setores que mais combinam com seu perfil e expectativas salariais. Se sua faculdade não fornecer esse apoio, busque profissionais da área ou informações na internet.
2) Busque tecnologias
Quais ferramentas são exigidas no mercado? Excel, BIM, AutoCAD, softwares de simulação? Estar por dentro dessas tecnologias e investir em capacitações pode fazer toda a diferença. Certificações técnicas complementares são um diferencial importante, destaca Elcio Paulo, especialista em recursos humanos.
3) Pratique
A falta de experiência prática é uma das principais críticas das empresas. Por isso, aproveite todas as oportunidades: estágios, projetos, monitorias, voluntariado. Não se forme sem conhecer o campo onde pretende atuar.
4) Desenvolva soft skills
Habilidades como comunicação, proatividade e trabalho em equipe deixaram de ser diferenciais — são exigências básicas. Desenvolvê-las pode ser decisivo na sua inserção no mercado. Empresas relatam que não basta saber executar: é preciso liderar uma equipe ou orientar tarefas no canteiro de obras.
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