Mais famílias do ES entram no rotativo e 978 mil pagam juros do cartão
Facilidade para ter acesso e benefícios oferecidos pelos bancos levam famílias a se descontrolarem e entrarem no crédito rotativo
Anuidade? Praticamente coisa do passado. Aprovação? Quase instantânea. Com o boom das fintechs, ou seja, dos bancos digitais, tem sido cada vez mais fácil ter um cartão de crédito no bolso — ou melhor, no app.
E não é só isso: o cartão vem com cashback, milhas, salas VIP, brindes e promessas de vantagens que parecem irresistíveis. A lógica é simples (e perigosa quando o assunto é equilíbrio financeiro): quanto mais você gasta, mais pontos acumula.
Mas a empolgação com os programas de vantagens virou porta de entrada para o descontrole financeiro, como alertam especialistas, a exemplo de Pablo Lira, diretor-Geral do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).
Ao chegar a fatura, muitos não conseguem pagar o total e acabam empurrando com a barriga — entram no rotativo, onde os juros são altíssimos. E aí, ao invés de vantagens, acumula dívida.
No Espírito Santo, cresce o número de famílias no rotativo, e cerca de 978 mil famílias já pagam juros do cartão de crédito.
Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC-ES) confirma que o cartão de crédito é hoje a principal forma de endividamento no Espírito Santo, presente em 93,9% das famílias endividadas.
André Spalenza, coordenador de Estudos e Pesquisas no projeto Connect – Fecomércio-ES, explica que cerca de 33,3% das famílias no Estado já se encontram com contas em atraso e, dentro desse grupo, mais da metade (55%) declara que não terá condições de quitar totalmente as dívidas.
“Isso se soma ao dado de que cerca de 22,3% das famílias capixabas não são assíduas no pagamento das contas do cartão de crédito (dados do Serasa), ou seja, tornam-se inadimplentes”, explicou.
Esse contingente, segundo ele, mostra a dificuldade de grande parte dos consumidores em quitar a fatura integralmente no mês de vencimento.
“O que não conseguimos afirmar com precisão é se todos esses casos resultam diretamente no uso do crédito rotativo. Parte pode estar parcelando a fatura ou renegociando a dívida, enquanto outros de fato ficam sujeitos aos juros do rotativo, que estão entre os mais altos do mercado”.
De toda forma, a estimativa de 30% das famílias capixabas expostas ao rotativo, como ele acrescenta, é coerente com os achados da pesquisa, ainda que não haja esse recorte oficial.
“Bola de neve”
Com o nome negativado por conta de dívidas com o cartão de crédito, um armador de ferragens, de 50 anos, tomou uma decisão: trocar pelo cartão de débito.
“Teve um período que eu só pagava o limite e, com isso, me enrolei. Por exemplo, a fatura era de R$ 1.500 e pagava só o mínimo. Mas, no mês seguinte, a situação ficava pior. Foi virando uma bola de neve”.
Agora, ele disse que a meta é quitar uma dívida de R$ 5 mil e sair da inadimplência.
Não é extensão da renda
A Abecs, associação que representa o setor de meios eletrônicos de pagamento, recomenda que o consumidor utilize o cartão de maneira consciente, sem tratar o limite de crédito como uma extensão de sua renda, e, sempre que possível, priorize o pagamento integral da fatura na data de vencimento.
Em caso de emergências, o cliente pode procurar o emissor do cartão e avaliar as ofertas de crédito e negociação disponíveis.
A Abecs disse que não tem gerência sobre preços e taxas de juros praticadas no setor, que são definidas de acordo com as políticas comerciais de cada empresa.
“Vale observar que, atualmente, a maioria dos brasileiros já usa o cartão de forma saudável, visto que cerca de 90% pagam o valor integral da fatura no vencimento, de acordo com pesquisa realizada há mais de cinco anos pelo Datafolha a pedido da Abecs”.
“Dívida sobe em ritmo astronômico”

A taxa de juros do rotativo do cartão de crédito no Brasil está entre as mais altas do mundo — chegando a níveis astronômicos. Por isso, seu uso deve ser evitado ao máximo, restrito a situações de emergência e sempre acompanhado de um plano para quitação.
Essa é a avaliação de Pablo Lira, diretor-geral do Instituto Jones dos Santos Neves, que destaca o atual cenário macroeconômico brasileiro. “Embora a pressão inflacionária tenha diminuído recentemente, o IPCA ainda está acima de 5%, o que mantém a taxa básica de juros em 15%. As taxas do rotativo são ainda mais elevadas”.
Ele alerta para a necessidade de evitar o uso do rotativo e de linhas de crédito atreladas ao IPCA, por conta dos juros exorbitantes.
Para quem já está inadimplente, o especialista recomenda renegociar dívidas e buscar auxílio junto a instituições de defesa do consumidor, para evitar que a situação se transforme em uma bola de neve.
SAIBA MAIS
- 4 milhões é a população estimada de habitantes no Espírito Santo.
- Desses, 2.939.486 têm acima de 18 anos de idade.
- Considerando que 33,3% das famílias já se encontram com contas em atraso, isso representa cerca de 978 mil famílias.
Inadimplência em queda
- Apesar dos números, é importante destacar que a inadimplência no Espírito Santo caiu em julho deste ano, quando comparada ao mesmo período do ano passado.
- Foi o que apontou levantamento do Connect Fecomércio-ES, painel de dados da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Espírito Santo (Fecomércio-ES).
- Foram 98.500 consumidores capixabas que conseguiram quitar dívidas em atraso no último ano e deixaram a lista de inadimplentes, uma queda de 2,4 pontos percentuais.
- Principais queixas: contestação de compras e da taxa de juros; renegociação de dívidas; parcelamento automático da fatura e cancelamento sem aviso prévio.
Análise
“Se está devendo, esconda seu cartão” - Mário Vasconcelos, economista e consultor financeiro

“Se você está pagando apenas o mínimo da fatura do cartão de crédito, está cavando um buraco. Os juros são altíssimos — passam facilmente de 15% ao mês. É impossível sair dessa bola de neve se continuar usando o cartão como se nada estivesse acontecendo.
A primeira atitude é organizar sua vida financeira: anote tudo. Veja para onde está indo seu dinheiro — comida, combustível, lazer, farmácia. Com a inflação alta, é natural que a renda esteja mais apertada, principalmente para quem ganha menos. Mas sem controle, a situação só piora.
Se está devendo, guarde o cartão. Esconda. Depois disso, trace um plano realista: devo R$ 3 mil? Consigo pagar R$ 500 por mês? Em quanto tempo quito, com os juros?
Outra opção: substitua a dívida cara (cartão) por uma mais barata, como o empréstimo consignado para quem é CLT. Juros menores, parcelas fixas, e sai do ciclo do rotativo.
Por fim, quitou as dívidas, então cuidado para não cair na mesma armadilha”.
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