Maioria dos trabalhadores de aplicativos não contribui para o INSS
Dos 2,8 milhões de profissionais nessas categorias, 57,1% estão fora do sistema de proteção social
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Mais da metade dos trabalhadores condutores de motocicletas, automóveis, táxis e caminhonetes não contribui para a Previdência, mostra estudo inédito obtido pela Folha. Dos 2,8 milhões de profissionais nessas categorias, 57,1% estão fora do sistema de proteção social.
Entre os trabalhadores que atuam por conta própria, a exclusão é ainda maior. Há 1,6 milhão de pessoas nessa categoria, das quais 74,4% não contribuem para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
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O recorte não é específico dos profissionais que atuam em plataformas, mas fornece uma aproximação que evidencia a situação de elevada informalidade e desproteção social vivida por esse grupo.
Além de não ter o tempo contabilizado para a aposentadoria, esses trabalhadores --que convivem com longas jornadas, baixa remuneração e exposição ao risco-- não têm direito a nenhum benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) caso precisem se afastar por motivo de acidente ou doença.
Os dados serão publicados no artigo "A Proteção Social dos Trabalhadores de Plataformas Digitais", dos economistas Rogério Nagamine Costanzi, ex-subsecretário do Regime Geral de Previdência Social, e Carolina Fernandes dos Santos, mestre pela Universidade de Brasília (UnB).
Eles analisaram os microdados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do terceiro trimestre de 2022. Como a pesquisa não tem uma ocupação específica para trabalhadores por plataforma, a aproximação foi feita com a seleção do grupo de condutores de motocicletas, automóveis, táxis e caminhonetes --numa tentativa de captar os maiores nichos de atuação por aplicativo, a entrega de mercadorias e o transporte de passageiros.
O objetivo dos pesquisadores é traçar um diagnóstico que auxilie na formulação de uma "regulação adequada e eficiente, que garanta condições de trabalho decente e proteção social sustentável para os trabalhadores das plataformas digitais".
A regulamentação do trabalho por aplicativo é uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O tema já vinha sendo discutido na gestão anterior, mas ainda longe de um consenso. Nas discussões mediadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, os sindicatos defendem a proteção dos trabalhadores, enquanto as empresas pedem uma nova modalidade de contribuição específica para a categoria, ao mesmo tempo em que manifestam preocupação com o engessamento de suas operações.
Em entrevista recente à Folha, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), já adiantou que as plataformas precisarão necessariamente contribuir para a Previdência de seus profissionais, mas não detalhou como isso vai ocorrer. Em janeiro, o ministro chegou a dizer que as condições vividas por trabalhadores de aplicativos beiram a escravidão.
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O estudo de Nagamine e Santos mostra que a inclusão desses profissionais no sistema de proteção social é desafiadora, uma vez que sua capacidade contributiva é reduzida devido às baixas remunerações.
Para traçar esse panorama, os pesquisadores consideraram uma linha de corte equivalente a um salário mínimo (que estava em R$ 1.212 no ano passado). Condutores com renda abaixo desse patamar foram classificados como sem capacidade de contribuir ao INSS.
"Os resultados encontrados mostram melhor capacidade contributiva dos condutores de automóveis, táxis e caminhonetes não contribuintes (67%)", diz o estudo. Nesse grupo, portanto, os mais vulneráveis seriam 33%.
"Contudo, a capacidade contributiva dos condutores de motocicletas informais, por esse critério, seria de apenas 35%, o que indica que esse grupo pode ter maior dificuldade de verter contribuições mensais ao sistema previdenciário."
Isso significa que 65% dos motociclistas ganhavam menos que um salário mínimo e, por isso, não conseguiriam contribuir para a própria aposentadoria.
O rendimento mensal médio dos condutores de motocicleta que estão fora do INSS é de R$ 1.332. Entre os condutores de automóveis, táxis e caminhonetes, o valor sobe a R$ 2.082.
Para ter uma comparação, os contribuintes da Previdência desses mesmos grupos ganham em média R$ 2.008 e R$ 2.507, respectivamente.
Os pesquisadores também traçaram um perfil desses profissionais. A grande maioria é formada por homens. Quase metade dos motociclistas têm até 29 anos, enquanto os motoristas de automóveis, táxis e caminhonetes se distribuem principalmente nas faixas de 30 a 59 anos.
Os pretos ou pardos são 66,7% dos condutores de motocicleta, grupo cujas condições de trabalho são mais precárias; e 56,9% dos que atuam em automóveis, táxis e caminhonetes.
A regulamentação do trabalho por aplicativo é uma discussão viva não apenas no Brasil. Na Espanha, uma decisão da Suprema Corte em 2020 e uma lei aprovada em 2021 mudaram o cenário para os entregadores ciclistas.
A legislação reconheceu a relação de emprego e introduziu novas garantias para esses trabalhadores, como maior proteção social e direito à informação sobre parâmetros, normas e instruções determinadas pelo algoritmo.
No artigo, os pesquisadores citam o caso da Espanha para discutir a existência de um "falso trabalho por conta própria". Embora os trabalhadores atuem em seus próprios veículos, o serviço é realizado de acordo com as instruções fornecidas pela empresa, que define unilateralmente as condições de trabalho, sob constante monitoramento e avaliação.
Os pesquisadores também analisaram as experiências do Chile e do Reino Unido. No país latino-americano, uma lei de 2022 passou a classificar o trabalhador como dependente ou independente e estabeleceu normas para o contrato de trabalho dos dois grupos.
Mesmo no caso de um profissional independente, por exemplo, a plataforma de serviços precisa comunicar por escrito a rescisão do contrato de quem prestou serviços contínuos durante seis meses ou mais, com antecedência mínima de 30 dias.
A lei chilena também garante acesso à cobertura previdenciária, além de regular a remuneração (o valor da hora de serviço precisa ser equivalente à renda mínima legal proporcional, acrescida de 20%) e a jornada de trabalho (com tempo mínimo de desligamento de 12 horas contínuas em um período de 24 horas).
No Reino Unido, a Suprema Corte do país rejeitou recurso da Uber e manteve a decisão de um tribunal trabalhista, que classificou os motoristas da plataforma como empregados, assegurando direitos como salário mínimo e férias remuneradas.
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