Histórias Empresariais: FDV com foco total no Direito
Faculdade completa 30 anos e descarta diversificar a oferta de cursos. Pensamento é exclusivamente manter excelência na área

Nada de diversificar: para manter a excelência, a Faculdade de Direito de Vitória (FDV) desistiu de ampliar sua oferta de cursos, recuando em um investimento já realizado, para ser o que o próprio nome já confirma: uma escola exclusivamente de Direito.
Orgulhoso ao lembrar que a FDV é a instituição no Espírito Santo que pontuou mais vezes em primeiro lugar no exame da OAB Nacional, Antônio Abikair, diretor e fundador, falou das três décadas completadas este ano pela instituição.
Sem meias palavras, fez críticas ao estudo à distância, ao ensino básico brasileiro e defendeu o papel social no ensino privado, que não pode ser tratado como “indústria sem chaminé”.
A entrevista na íntegra pode ser vista por meio do QR Code na foto principal. Parte dela segue no texto abaixo.

A Tribuna — A FDV completa 30 anos. Quais são os planos da instituição para o futuro?
Antonio Abikair — Olha, a FDV tomou uma decisão há alguns anos. Havíamos solicitado vários cursos, depois que o curso jurídico já estava funcionando. Na fase final de autorização do MEC, desistimos. O motivo? Receio de não conseguir oferecer aos outros cursos a excelência e diferencial que implantamos no ensino jurídico.
Perdemos o investimento, mas, na minha visão, ganhamos.
Houve um recuo estratégico: foco total no Direito. Se precisarmos de uma manchete para a entrevista, podemos dizer que Direito é o foco e que não vale a pena diversificar demais?
É muito difícil, num Estado pequeno, com poucos profissionais, diversificar mantendo a mesma excelência. Nós precisávamos assumir a responsabilidade. Não teria essa tranquilidade para cursos como Arquitetura, mas no Direito eu podia. Por isso, o foco ficou exclusivo: escola de Direito.
Quantos alunos tem a FDV?
Hoje temos cerca de 900 alunos, e eram de 1.300 a 1.400 antes da pandemia. A redução foi geral no Brasil, sem definição clara sobre os motivos. Alguns cursos têm EAD, mas Direito e Medicina não. E não devem ter mesmo, não!
A graduação encolheu, diferentemente de mestrado e doutorado, que cresceram. Ainda conseguimos manter três ou quatro turmas por ano, algo que outras instituições não conseguem. A queda pode refletir mudanças no papel das profissões ou fatores financeiros, mas a procura vem voltando, sem previsão exata de recuperação total.
Falando sobre ensino à distância, que não é permitido no curso de Direito e nem no de Medicina: o que o senhor acha do EAD para outras áreas?
Olha, Rafael, sempre tenho, infelizmente, muita dúvida sobre o sucesso de qualquer negócio no nosso País… Infelizmente, tenho que dizer isso. O ensino à distância poderia ser tão eficaz quanto o presencial, mas não acredito que as instituições ofereçam a mesma excelência, a mesma qualidade.
Agora mesmo saiu uma legislação para regular. Mas quantos já se formaram? Quantos já investiram de fato? E não há o que fazer.
Falam: “Ah, o mercado regula”. Eu digo: “Mercado é para comprar camisa”. Ensino superior não é mercado! Você paga 5 anos, projeta sua vida, e depois vai melhorando. Eu, pessoalmente, não empregaria alguém formado à distância.
Uma pessoa graduada, sem pisar numa instituição de ensino... não! Você passar conteúdo, tudo bem. Mas teria que ter rigor na aprovação, na avaliação. Eu não acredito.
E a Inteligência artificial, que já forçou até o CNJ a entrar no circuito. É sentença feita por IA, é peça que reproduz coisas que às vezes nem existem. Qual o desafio do Direito com isso?
Olha, a FDV sempre esteve à frente nessas discussões. Já temos vários estudos e cursos sobre IA. Minha visão é que não tem como fugir: a IA veio como o computador, para agregar, mas não é a salvação do mundo. Não posso colocar um robô ou computador para fazer o trabalho de um médico, ou de um juiz, dando sentença.
A utilização da IA sempre será mediada pelo ser humano. A percepção de todos os fatos, o julgamento completo, isso é insubstituível. Até nos Estados Unidos aconteceu algo semelhante: um escritório conceituado entrou com uma ação citando jurisprudência que não existia — criada pela IA.
Como agiram de boa-fé e admitiram o uso da IA, não houve penalidade. A IA serve para auxiliar na pesquisa e agilizar processos, mas jamais para emitir juízo de valor. O feeling humano é insubstituível.
E a IA mudou o ensino?
A IA vai alterar o tipo de pesquisa, a forma de pesquisar e de elaborar trabalhos. É preciso ter muito cuidado, porque pode gerar um aluno viciado: ele faz perguntas sem se preocupar com o conteúdo e recebe a resposta da IA, sem estudar nada, só copiando.
A responsabilidade do educador é permanecer vigilante contra qualquer uso inadequado. A IA deve servir para prosperar e melhorar o aprendizado, não para substituir o esforço do aluno.
E o processo seletivo na FDV, é muito disputado?
Olha, hoje a FDV é a faculdade de Direito mais disputada, como já foi há mais de 20 anos. Chegamos a ter 1.260 candidatos por vaga, e tivemos de contratar as instalações do campus universitário para realizar o vestibular, do qual me orgulho muito. Diferente de outras instituições, aqui nunca houve compadrio: ninguém entra por indicação, seja de pai, primo ou político.
No primeiro dia de aula, a diretora acadêmica dizia: “Parabéns, vocês estão aqui por mérito próprio.” Isso cria um valor enorme para quem entra. Essa reputação de seleção por mérito tornou a FDV muito procurada. Hoje, com mais faculdades pelo interior, a relação candidato-vaga diminuiu, mas o critério continua o mesmo: mérito. Tem mérito? Entrou. E isso se mantém até hoje.
Hoje, a faixa etária dos alunos da FDV é parecida com a que era no passado? Há mais jovens estudando Direito?
Essa questão dos jovens é importante. No ensino superior, com frequência, um aluno muda completamente de curso: um de Medicina vai para o Direito, um de Engenharia tranca e faz Medicina, e assim por diante.
Sempre houve essa decisão, mas na minha época a carência era maior: a pessoa ia porque tinha oportunidade, remuneração, espaço no mercado. Hoje, não. O mercado é só para quem é competente.
Vejo com tristeza a garotada tendo que decidir aos 16, 17 anos o que vai ser na vida. Com tanta informação e um mundo em transformação, será que alguém nessa idade sabe realmente no que quer trabalhar? Muitos nem sabem o que é. Será que terão visão social, senso humano na Medicina, no Direito?
Acho que o sistema é muito falho nisso. Poderíamos adotar o modelo dos Estados Unidos: ingressa-se em uma das três grandes áreas — humanas, biológicas ou exatas — e, depois de 2 ou 3 anos, o aluno vai se especializando. Enfim, a média de idade segue a mesma: 17, 18 anos na entrada, 22, 23 na saída.
Sobre os jovens que vão ao ensino superior: o senhor vê evolução no ensino básico?
Tenho uma avaliação sobre isso e digo que piorou bastante. Hoje, acho que isso reflete a sociedade e as questões morais que vemos no País há algum tempo. Tem um termo que detesto: a aprovação imediata, sem reprovação. Isso é um crime.
Não existe projeto pedagógico sério como o nosso que não preveja correção: ou se aplica uma avaliação séria, ou você está brincando. O que se fez no País? Era brincadeira? Passar de ano sem saber.
Toda uma geração vem sendo educada de forma imprópria. Em sociedades mais evoluídas, o desempenho no primeiro e segundo grau determina o acesso à universidade, independentemente da situação financeira, ou direciona para cursos técnicos até que o aluno se decida. Aqui não. Fica-se dando uma motivação indevida, e não há reprovação. Isso é vergonhoso.
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