Empresas flagram uso do tíquete para comprar maconha e cocaína
Empregados deixaram vales alimentação e refeição com traficantes para pagar por substâncias
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O uso inadequado dos vales refeição e alimentação tem sido constantemente detectado por empresas do Estado.
Um quadro é especialmente preocupante: o flagrante da utilização para comprar drogas ilícitas, como maconha e cocaína, como revelou Fernando Otávio Campos, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-ES) e diretor do Sindicato da Construção Civil de Guarapari (Sindicig).
Ele contou casos de profissionais em geral que deixaram cartões com traficantes para manter o vício: “O vale-alimentação, hoje oferecido em cartões, em muitos casos têm finalidade desviada. Por exemplo, no supermercado, é possível comprar uma misteira. E tem casos de deixarem o tíquete com traficantes. E é muito fácil, pois basta a senha para usar”.
E para as empresas, é difícil comprovar o uso indevido em casos assim, diz o líder empresarial.
A advogada especialista em Direito do Trabalho Julia Loureiro diz que o uso é exclusivo para alimentação e o empregado pode ser punido com a justa causa. “Lembro que temos a gradação de pena, em que o acúmulo de advertências leva à justa causa”, afirmou.
O advogado especialista em Direito Trabalhista Ben-Hur Farina completou que, em alguns casos, há o quadro em que fica configurado vício do trabalhador. Aí, o papel da empresa é afastá-lo e encaminhá-lo para o tratamento.
“O vício é uma situação de doença. Vai ser afastado pelo INSS para se tratar. As grandes empresas fazem isso. As empresas têm o papel de promover a saúde dos colaboradores. Mas, se o trabalhador não quiser se tratar, a empresa, estando resguardada, pode mandar embora sem justa causa”, explicou.
Ele reforçou que empresa deve sempre ter evidências antes de tomar qualquer decisão: “E vai depender caso a caso, para uma demissão por justa causa direta, sem haver antes advertências”.
Vice-presidente da Federação do Comércio do Estado, José Carlos Bergamin, disse que as empresas tem acompanhando mais e melhor o comportamento dos trabalhadores, visto que desvios assim normalmente são acompanhados de outros comportamentos impróprios.
A Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT) informou que “têm processos de monitoramento dos estabelecimentos comerciais e do uso dos vales-refeição e alimentação pelos trabalhadores”.
DEMISSÃO
A Meta, controladora do Facebook, demitiu cerca de vinte funcionários em Los Angeles, Estados Unidos, devido ao uso indevido de créditos diários de refeição, no valor de US$ 25 (R$ 143,74), para comprar itens domésticos. Entre os funcionários demitidos, estava um com salário equivalente a R$ 2 milhões, que disse ter usado para comprar pasta de dente e chá.
Dinheiro do Bolsa Família em bebidas e drogas
Até mesmo o Bolsa Família, principal programa federal de transferência de renda, está sendo usado para compra de bebidas alcoólicas e drogas, segundo Fernando Otávio Campos, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Estado (ABIH-ES) e diretor do Sindicato da Construção Civil de Guarapari (Sindicig).
Segundo ele, não há controle como deveria para rastrear a utilização indevida do benefício. “Acaba sendo usado como um cartão de débito para comprar esses itens. Tanto nos casos dos tíquetes quanto do Bolsa Família, o reconhecimento facial antes de finalizar a compra poderia ser uma das alternativas”, disse.
Em um caso de maio de 2022, três traficantes presos aceitavam pagamento da droga até com cartões do Bolsa Família em Pouso Alegre, no Sul de Minas Gerais.
Inclusive, o Congresso tem propostas para evitar que beneficiários do Bolsa Família usem os valores para gastos indevidos, como apostas esportivas e compra de bebidas e cigarros, conforme publicado por A Tribuna no último dia 5.
SAIBA MAIS
Uso de tíquetes
> A legislação brasileira diz que o uso de tíquetes-alimentação e tíquetes-refeição é exclusivo para alimentação, e o empregado pode ser punido, inclusive, com a demissão por justa causa em decorrência do uso indevido.
> O uso indevido, como compra de bebidas alcoólicas, cigarro ou até mesmo a venda desses vales, para receber em dinheiro, pode resultar em punição ao empregado, sendo a justa causa a medida mais gravosa prevista na legislação trabalhista.
> No caso de utilização para pagamento de drogas ilícitas, como maconha e cocaína, a medida a ser tomada vai depender de cada caso, podendo, por exemplo, ser demissão por justa causa ou sendo situação de vício comprovado, e afastar o trabalhador pelo INSS para tratamento.
> A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não impõe o vale-alimentação como uma obrigação. Portanto, a empresa não é obrigada pela legislação trabalhista a conceder o auxílio-alimentação.
> Por outro lado, algumas Convenções Coletivas de Trabalho ou Acordos Coletivos determinam a obrigatoriedade de pagamento do benefício. Neste caso, é o sindicato da classe que determina a obrigatoriedade.
Utilização correta
> O vale-refeição deve ser utilizado para a compra de refeições prontas durante a jornada de trabalho, em estabelecimentos como restaurantes, lanchonetes, bares e padarias.
> Já o vale-alimentação é um benefício trabalhista disponibilizado mensalmente ao trabalhador para aquisição de produtos alimentícios em estabelecimentos como supermercados, hortifruti, açougues e outros.
> Não há uma lei que estabeleça o valor mínimo e valor máximo mensal. O Ministério do Trabalho e Emprego recomenda que o valor do benefício seja suficiente para arcar com 70% do custo da cesta básica da região, mas não é uma obrigatoriedade.
Punição
> Tanto o empregado quanto o estabelecimento comercial podem ser punidos caso haja uso/comercialização indevida de produtos, sendo que, para os estabelecimentos, a punição é aplicada após ser feita denúncia e apurada, e aos empregados, deve ser feita a gradação da punição, isso porque, a justa causa é o meio mais gravoso, cabendo, primeiramente advertência, e após, suspensão, para ser respeitada a gradação da pena.
> Mas é importante destacar que a demissão por justa causa deve seguir várias regras. O empregador tem que provar a gravidade do fato, a reiteração da conduta e o histórico do empregado.
Fonte: Advogados Ben-Hur Farina e Julia Loureiro.
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