Educação financeira: crianças mudam vida das famílias
Aprendizado obtido na sala de aula, dentro das escolas, melhora a relação com os pais e ajuda nas contas domésticas
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“Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”, já disse o poeta Mário Quintana, ressaltando como a educação transforma.
Seguindo a mesma lógica dos livros, a educação financeira na escola vem ajudando crianças a construírem uma relação mais saudável com o dinheiro, o que transforma suas vidas, a de suas famílias, e a de futuras gerações.
A dona de casa Jaqueline Souza Santos, 37 anos, conta que ir ao mercado com o filho Bernardo Souza Pereira, de 10 anos, era complicado. Às vezes, ele queria que ela comprasse produtos que ela não tinha condições de adquirir naquele momento.
“Ele começava a chorar, queria porque queria”. Ela revela que o filho com Transtorno do Espectro autista (TEA) tinha dificuldade de entender essas situações de consumo do dia a dia.
Aluno da escola municipal Maria Helena Baioco Vasconcelos, na Serra, Bernardo participou do Programa Financinhas, uma iniciativa do Instituto Sicoob que teve a adesão da instituição de ensino. Pelo projeto, ele vivenciou a experiência do mercadinho, na escola.
Para isso, recebeu um valor em dinheiro de brinquedo com o qual podia comprar produtos. Ele foi às compras e compreendeu a noção de orçamento. “Agora, quando falo que não tenho dinheiro, ele entende que não tem como comprar”, comparou Jaqueline.
O filho que já entendia o preço, agora compreende o valor das coisas, consegue avaliar se está caro ou barato. “O projeto impactou na nossa vida fora da escola. Foi muito importante para ele e para nossa família”.
Os alunos aprendem que quando querem um produto na hora e os pais não têm dinheiro, talvez tenham que pagar juros por comprar parcelado, detalhou Sandra Martins, supervisora de responsabilidade social do Sicoob.
A auxiliar de serviços gerais da escola, Eva Lopes, 63 anos, contou que as crianças começaram a cuidar mais das próprias coisas, porque entenderam que tudo que têm foi comprado.
E que elas se empolgam para conquistar: “Quando têm de vender algo para realizar um sonho coletivo, chegam na cantina na maior animação. Se não têm dinheiro, já avisam que aceitam Pix”, se divertiu.
Trabalho
A estudante Eliza Calixto Bolsoni Santos, 6 anos, também participou do projeto Financinhas. Na escola, ela foi orientada a poupar dinheiro para um sonho pessoal e um coletivo. “Agora ela tem noção de guardar para um sonho futuro”, contou a mãe dela, a empreendedora Carla Caroline Calixto Teixeira, 35 anos.
É com Carla que Eliza entende mais sobre de onde vem o dinheiro. A mãe produz laços e a filha já quer sair vendendo: “Não deixo ninguém comprar fiado”, avisa a pequena, que compartilhou que está juntando dinheiro para o sonho de ter um patins.
Birra no mercado é esperada
Temida pelos pais, a famosa birra em comércios como supermercados e padarias é esperada, de acordo com a psicóloga e especialista em educação financeira infantil, Priscila Rossi.
Direto da Austrália, ela explica que normalmente as birras acontecem entre os 2 anos e meio e 5 anos de idade. Nessa fase, a criança está se desenvolvendo e aprendendo a lidar com as próprias emoções.
“Ela está relacionada com o desenvolvimento das habilidades emocionais da criança e com o desenvolvimento do cérebro. Uma fase em que a criança está passando por muitas transformações cognitivas. A birra vai acontecer, é esperada. Estranho é quando não acontece”.
Os pais, segundo a especialista, não precisam ceder à birra, mas têm o papel de acolher e dar nome ao que a criança está sentindo, ajudando a construir a alfabetização emocional.
O momento é uma oportunidade de conversar dizendo: “Entendo que você esteja frustrado porque viemos ao mercado e você não vai poder levar um chocolate”, exemplificou. Deixar de levar os filhos às compras não contribui para o desenvolvimento deles.
Escolhas
Em Vitória, Luiz Otávio Alonso Ribeiro, de 8 anos, participou do projeto Banco+, na escola municipal Anacleta Schneider Lucas. “A tia deu um pacotinho com dinheirinho, ganhei meu próprio cartão e certificado de trabalhador do Banco+”, contou.
Mãe dele, a auxiliar de cozinha Júlia Camilla Alonso Pereira, 28, disse que o filho além de poupar água e energia, ficou mais econômico com o dinheiro que ela dá. Luiz revelou que nas dificuldades a professora sempre falava: “Você consegue”.
A professora Karolyni Araújo disse que com as experiências de compra, os alunos demonstram felicidade por ter liberdade de escolha e sensação de autonomia.
SAIBA MAIS
Educação financeira infantil
Trata-se de uma forma de ajudar as crianças a desenvolverem a inteligência financeira, aprendendo a consumir de maneira consciente, poupar, ter metas. Ajuda no desenvolvimento da inteligência emocional, que é fundamental para as decisões de compra que serão tomadas.
Para ensinar educação financeira é importante conhecer a infância e as fases do desenvolvimento infantil, já que uma criança de 2 anos não vai estar preparada para aprender as mesmas coisas que uma de 7 anos, por exemplo.
Quando começa
Quando recém-nascida, a criança precisa ter as suas necessidades atendidas imediatamente. Já quando entra na fase da introdução alimentar, ela começar a desenvolver a habilidade de esperar a papinha ficar pronta, de experimentar um novo alimento e se frustrar com o sabor, isso já está desenvolvendo ferramentas de inteligência emocional.
Ela está aprendendo a lidar com frustração, desenvolvendo a paciência. Tudo isso vai ter o seu valor no devido momento, quando ela estiver lidando com o dinheiro.
Nos primeiros anos de vida, é muito importante que a família ajude a criança a desenvolver essa inteligência emocional, nomeando as emoções, deixando a criança se estressar.
Em uma situação de birra no mercado, sabendo como agir, como acolher, sem ceder à birra.
“Compra pra mim”
Por volta dos 2 anos e meio de idade, quando a criança fala: “Compra pra mim”, significa que ela já entende que o dinheiro existe, que o dinheiro pode ser trocado por coisas interessantes, por coisas que ela gosta, mas não entende a dinâmica toda do dinheiro ainda.
Nessa fase, os responsáveis podem levar a criança ao mercado, deixar que entreguem o cartão ao atendente do caixa para ela ir entendendo a dinâmica do dinheiro, como funcionam essas transações comerciais, para que isso passe a fazer parte da vida dela.
Escola e família
Quando a criança aprende sobre educação financeira na escola, ela acaba trazendo o assunto para dentro da família. E a maior referência para as crianças até os 12 anos são os pais. A conexão entre escola e a família é muito importante para ajudar essa criança.
Uma criança que aprende na escola e os pais não são boas referências, possivelmente vai ter dificuldade. Mas acontece muito também da criança levar o tema para dentro de casa e os pais começarem a se interessar em buscar conteúdo, buscar conhecimento.
O fato de estar aprendendo, de mostrar para a criança que está se preocupando com o tema, fazer um controle financeiro, questionar quando fizer uma compra, pesquisar, tudo isso contribui para o aprendizado dela.
Moeda e papel
A partir do momento que a criança fala “compra para mim”, é possível começar a mostrar moeda, cédula, a diferença de tamanho, cor, valor. Esse contato concreto com o dinheiro facilita o entendimento de como ele funciona, para falar do dinheiro virtual depois.
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