Depois de bater R$ 6,30, dólar despenca com leilões do BC e pacote fiscal
Autoridade monetária vendeu mais US$ 8 bilhões para o mercado na modalidade à vista -a maior intervenção em um único dia desde 1999
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O dólar despencou 2,28% nesta quinta-feira (19) e fechou cotado a R$ 6,124, sob efeito dos dois leilões realizados pelo BC (Banco Central) pela manhã.
A autoridade monetária vendeu mais US$ 8 bilhões para o mercado na modalidade à vista -a maior intervenção em um único dia desde 1999, quando o país adotou o regime de câmbio flutuante.
A moeda estava em alta firme na abertura das negociações e chegou a tocar R$ 6,30 pela primeira vez, mas a segunda atuação do BC reverteu o movimento.
Os investidores, em paralelo, seguiram atentos à tramitação do pacote fiscal do governo no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, o texto-base da PEC (proposta de emenda à Constituição).
Os dois leilões realizados pelo BC nesta manhã se somaram a uma sequência de intervenções da autoridade monetária desde a semana passada. Foram nove ao todo, somando mais de US$ 20 bilhões injetados no mercado.
O primeiro desta quinta, de US$ 3 bilhões, acolheu seis propostas entre 9h15 e 9h20. O segundo, de US$ 5 bilhões, aceitou 10 propostas entre 10h35 e 10h40.
"O primeiro, a princípio, não surtiu o efeito esperado. Com isso, o BC fez o segundo leilão, que garantiu uma apreciação do real", diz André Valério, economista sênior do Inter.
Os leilões são intervenções do BC no câmbio. Na prática, eles servem para aumentar a quantidade de dólares disponíveis para os investidores, seguindo a lei da oferta e demanda. Ou seja, quanto mais moeda puder ser comprada, menor vai ser a cotação dela.
"As intervenções do BC se justificam pelo excesso de volatilidade e pelo forte fluxo de saída de dólares. Nos dez primeiros dias de dezembro, o fluxo de saída foi de US$ 6,79 bilhões, bem acima da média histórica para esse período, portanto o leilão é uma solução para prover esse fluxo e impedir uma desvalorização desordenada do real", explica Valério.
As intervenções têm contido a disparada do dólar nos últimos dias, oriunda da crescente desconfiança do mercado quanto à capacidade do governo de equilibrar as contas públicas. Só em dezembro, a moeda norte-americana acumula alta de 4,45% em relação ao real. No ano, registra valorização de 29%.
O futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, negou que a disparada seja fruto de um ataque especulativo do mercado financeiro e afirmou que a percepção dele sobre o tema tem sido bem aceita pelos membros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico, vamos dizer assim, como se fosse uma coisa só, que está coordenada andando em um único sentido. Basta a gente entender que o mercado funciona, geralmente, com posições contrárias", disse. "A ideia de ataque especulativo enquanto algo coordenado não representa bem o movimento que está acontecendo no mercado hoje."
Na entrevista a jornalistas, Galípolo, que assumirá o comando da instituição em 1º de janeiro, esteve ao lado do atual presidente, Roberto Campos Neto.
Campos Neto disse que o BC resolveu intervir no câmbio em reação a "operações atípicas no volume que estão acontecendo". Ele citou que os dividendos pagos pelas empresas estão acima da média, que o fluxo financeiro no ano está bastante negativo, apontando para ser um dos piores anos recentes da história, e que as pessoas físicas estão tirando maior volume de recursos do país.
"A gente tenta fazer uma intervenção que se contrabalanceie em relação ao fluxo que está vendo e, geralmente, fatia o volume que entende que é o razoável para suprir essa liquidez em alguns dias", afirmou Campos Neto.
O movimento no câmbio acontece em meio à tramitação do pacote de corte de gastos do ministro Fernando Haddad (Fazenda) no Congresso Nacional.
A PEC que integra o pacote foi aprovada com boa margem. O placar foi de 344 a 154, sendo que são necessários ao menos 308 votos para fazer uma alteração constitucional. O texto ainda pode ser alterado por meio de destaques. Depois, há a votação em segundo turno.
Desde quarta havia o temor entre lideranças governistas e até mesmo do centrão de que o Executivo não teria o apoio necessário para garantir a aprovação da PEC do pacote. A votação precisou ser adiada diante do risco de derrota.
Diante desse cenário, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), editou um ato da Mesa Diretora para permitir que deputados que estivessem fora de Brasília pudessem votar remotamente e avisou que quem não votasse teria desconto no salário (o chamado "efeito administrativo").
A PEC aprovada muda o critério de concessão do abono salarial (espécie de 14º salário pago a parte dos trabalhadores com carteira assinada). O texto prevê que, para os trabalhadores que receberão o benefício em 2025, será elegível quem recebia o equivalente a dois salários mínimos do ano-base (neste caso, 2023). O valor equivalente seria o de R$ 2.640.
Mas o texto foi desidratado. O governo Lula sofreu um revés na tentativa de impor um comando mais forte para extinguir brechas que permitem supersalários na administração pública, entre outras medidas alteradas pelos parlamentares.
O Congresso corre contra o tempo na tentativa de concluir a apreciação dessas medidas ainda esta semana, antes do início do recesso parlamentar na sexta-feira.
Mas, mesmo que o pacote seja aprovado, a conclusão é que ele ainda não é o suficiente para estancar a crise das contas públicas.
"O pacote é medíocre e insuficiente. O governo vai ter que apresentar medidas adicionais para tentar reancorar as expectativas que foram desancoradas por conta do próprio governo. Ele criou a situação atual com uma comunicação truncada na apresentação do pacote, e foi uma grande frustração. Caso aprovado, parte do problema será endereçado, mas ainda falta mais", diz Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.
Já na cena internacional, os investidores repercutiram o corte de 0,25 ponto do Fed sobre a taxa de juros dos EUA, agora na banda de 4,25% e 4,50%. Ainda que tenha vindo exatamente em linha com as expectativas do mercado, não foi uma escolha unânime entre os diretores da autarquia: um deles votou pela manutenção da taxa.
O Fed ainda projeta que a taxa terminal de 2025 será de 4% -ou seja, que haverá apenas 0,50 ponto de redução no ano que vem.
Em entrevista coletiva após a decisão, Jerome Powell, presidente da autarquia, observou que o ritmo mais lento dos cortes projetados para o próximo ano refletia leituras de inflação mais altas em 2024.
"Deste ponto em diante, é apropriado avançar com cautela e buscar o progresso da inflação... a partir de agora, estamos em uma posição em que os riscos estão equilibrados", disse Powell.
A sinalização fez a moeda disparar globalmente, com investidores precificando um dólar ainda mais forte no próximo ano em meio às possíveis políticas econômicas do presidente eleito Donald Trump.
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