Acabar com rotativo pode ser solução para juro alto, diz Campos Neto
Presidente do Banco Central também falou sobre a possibilidade de criar uma tarifa para frear o parcelamento sem juros
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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quinta-feira (10) que acabar com o rotativo do cartão de crédito pode ser a solução para os juros altos e para a inadimplência da modalidade.
O chefe da autoridade monetária também falou sobre a possibilidade de criar uma tarifa para frear o parcelamento sem juros.
"A gente tem 90 dias para apresentar uma solução, que está se encaminhando para que não tenha mais rotativo. O crédito vai direto para o parcelamento, que seja com uma taxa ao redor de 9% [ao mês]. Extingue o rotativo, quem não paga o cartão vai direto para o parcelamento ao redor de 9%", afirmou.
"A gente cria algum tipo de tarifa para desincentivar esse parcelamento sem juros tão longo. Não é proibir o parcelamento sem juros, é simplesmente tentar fazer com que ele fique um pouco mais disciplinado, de uma forma bem faseada para não afetar o consumo", acrescentou.
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O rotativo do cartão é acionado quando o cliente não paga o valor integral da fatura na data de vencimento. Desde 2017, os bancos são obrigados a transferir a dívida do rotativo do cartão de crédito para o parcelado, que possui juros mais baixos, após um mês.
Na mira do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito em junho foi de 437,3% ao ano, segundo dados do BC. No mês passado, a inadimplência na modalidade ficou em 49,1%. O rotativo é a linha de crédito mais cara do mercado, recomendada por especialistas apenas em casos emergenciais.
O parcelamento de compras sem juros no cartão de crédito virou tema de debate no setor financeiro brasileiro depois que grandes bancos apontaram esse segmento como um dos culpados pelas altas taxas de juros do rotativo dos cartões.
De acordo com o presidente do BC, outra alternativa em estudo seria limitar os juros do cartão de crédito. "O problema é que os bancos provavelmente iriam retirar os cartões de circulação porque, para as pessoas que têm mais risco, os bancos não ofereceriam aquele cartão devido a uma relação de risco-retorno ineficiente", ponderou.
"O problema de cortar o número de cartões é que você sabe como começa, mas não sabe como termina, pode gerar um efeito muito grande na parte de consumo e na parte de varejo", continuou.
Segundo Campos Neto, a questão deve avançar nas próximas semanas. No dia 2 de agosto, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que a solução para o rotativo sairá em 90 dias. As negociações envolvem mudanças estruturais no crédito rotativo, o que abriria espaço para autorregulação dos próprios bancos sobre o produto.
Uma proposta que limita os juros no rotativo do cartão de crédito foi inserida no projeto de lei que vai receber o conteúdo do Desenrola, programa de renegociação de dívidas.
De autoria do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), líder da legenda na Câmara e aliado do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o projeto determina que o CMN (Conselho Monetário Nacional) irá estabelecer limite para a cobrança desses juros pelos cartões de crédito.
"As taxas de juros remuneratórios cobradas na modalidade [...] não poderão ser superiores a limites já estipulados para modalidades de crédito com perfil de risco semelhante, a exemplo do que já ocorre com as taxas cobradas sobre o valor utilizado do cheque especial", diz um dos pontos da matéria.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, as instituições financeiras tentam barrar o avanço da medida, que deve começar a ser debatida neste mês na Câmara dos Deputados. Há receio de que uma eventual aprovação da proposta possa abrir precedente para tabelamento de juros também de outras modalidades.
Em sessão no Senado Federal, o presidente do BC disse reconhecer que o rotativo do cartão de crédito é um "grande problema" e elencou uma "mistura de fatores" para a alta inadimplência na modalidade.
Segundo ele, embora o crédito parcelado sem juros ajude o comércio, o número de parcelas tem aumentado significativamente. "Hoje, o prazo médio é de 13 parcelas. É como se fizesse um financiamento de longo prazo sem juros", disse.
Campos Neto também citou a elevação na quantidade de cartões em circulação na economia nos últimos anos, chegando a 215 milhões atualmente. "Bancos, novos entrantes e varejistas acabaram usando o cartão de crédito como instrumento de fidelizar o cliente", afirmou.
Mencionou ainda que quem "toma a decisão de dar os juros" não é a mesma entidade "que paga pelo risco", o que gera uma assimetria no mercado financeiro.
Campos Neto compareceu no Senado para prestar contas sobre as decisões tomadas pela autoridade monetária em relação à inflação, à política de juros e à estabilidade financeira. Conforme a lei de autonomia, em vigor desde 2021, o presidente do BC tem de ir ao Congresso Nacional dar esclarecimentos ao menos duas vezes ao ano.
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