Desfralde e escola, quando o tempo não cabe no calendário
Especialistas alertam que pressionar o desfralde pode gerar ansiedade e impactos à saúde da criança
Leitores do Jornal A Tribuna
Todo fim de ano é igual. Começa a busca por vaga na creche, matrícula, lista de material, adaptação. No meio dessa maratona, uma dúvida que preocupa muitas famílias: “meu filho precisa estar sem fralda para entrar na escola?”
Apesar de algumas instituições ainda manterem essa exigência, o que deveria ser vivido com calma acaba virando motivo de tensão em casa. O desfralde é uma etapa importante, mas não acontece por imposição. Depende de amadurecimento neurológico, estabilidade emocional e, principalmente, tempo. Não é só ensinar a usar o banheiro. É o corpo começando a identificar seus sinais e o cérebro aprendendo a coordenar algo que até então era automático.
Quando esse processo é acelerado por ansiedade dos pais, expectativa da escola ou pela comparação com outras crianças, o impacto aparece. No consultório, não é raro ver pequenos com escapes urinários, constipação, infecções ou o hábito de segurar o xixi por vergonha, ou medo de usar o banheiro escolar. Pequenas ações que, repetidas ao longo do dia, acabam sobrecarregando rins e bexiga.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) explica que pressionar a criança para abandonar as fraldas pode gerar ansiedade, insegurança e consequências físicas, como prisão de ventre ou infecção urinária. O corpo responde se o tempo interno não é respeitado.
Um documento elaborado pela SBP em conjunto com a Sociedade Brasileira de Urologia aponta que, no Brasil, o início do treinamento esfincteriano costuma ocorrer por volta dos 22 meses, com média de conclusão aos 27,4 meses, geralmente mais precoce nas meninas. Esse percurso pode durar de 6 a 12 meses, sempre considerando que cada criança tem sua própria trajetória de desenvolvimento.
Outro ponto delicado é o chamado “desfralde coletivo”, prática adotada em algumas escolas. Embora esse estímulo para desfraldar várias crianças ao mesmo tempo pareça prático, ignora diferenças individuais. A SBP destaca que essa abordagem não tem base biológica e pode expor a criança que ainda não está pronta, gerando sensação de inadequação e frustração diante do grupo.
A escola tem um papel fundamental nesse processo, mas esse papel é de apoio. Professores que prestam atenção aos comportamentos em sala, conversam com a família e criam oportunidades para que a criança peça ajuda sem vergonha tornam o percurso mais leve.
O convívio com colegas pode estimular iniciativas espontâneas, como pedir para ir ao banheiro junto ou tentar imitar conquistas observadas no grupo, desde que aconteça sem pressão.
Para nós, adultos, cabe cultivar paciência e encarar o desfralde como um momento de acompanhar descobertas. Cada tentativa é um avanço e todo sinal de autonomia merece ser reconhecido. Essa postura acolhedora ajuda a criança a confiar no próprio corpo e reduz a ansiedade que muitas vezes nasce entre os adultos, não na criança.
Desfraldar envolve reconhecer sinais, construir confiança e seguir o tempo que pertence à criança. Ninguém amadurece porque o calendário pede. Crescer se acompanha, não se força. E o desfralde não foge disso.
MATÉRIAS RELACIONADAS:
SUGERIMOS PARA VOCÊ:
Tribuna Livre,por Leitores do Jornal A Tribuna