Cenário caótico
Uma reflexão entre a improvisação sem rumo e a estratégia coletiva como caminhos opostos na construção da segurança pública
Leitores do Jornal A Tribuna
O filme italiano L’Armata Brancaleone (1966), de Mario Monicelli, satiriza o ideal heroico medieval. O protagonista, Brancaleone, é um cavaleiro atrapalhado que lidera um grupo desorganizado, desorientado e tragicômico em uma jornada sem glória. A cada passo, destaca-se o fracasso da improvisação, da liderança e da falta de estratégia.
A narrativa, ambientada na Idade Média, oferece um espelho distorcido, mas eficaz, para refletirmos sobre estruturas reais, inclusive a da segurança pública atual.
No outro ponto está Giuseppe Garibaldi, herói da unificação italiana no século XIX. Líder de um exército voluntário, representou uma ação coordenada, impulsionada por ideais de liberdade, unidade nacional e justiça. Seus feitos não se basearam em bravatas, mas em organização, apoio popular e estratégia. É justamente esse modelo, que deve inspirar a gestão da segurança pública presente.
No Espírito Santo, segundo o Anuário da Segurança Pública de 2025, a taxa de mortes violentas em 2024 caiu 12,5%, com 902 vítimas ante 1031 em 2023. O dado indica avanço em relação a anos anteriores, resultado de investimentos em inteligência policial, prevenção e ações integradas. Ainda assim, o número está longe de representar paz duradoura ou vitória definitiva contra a violência.
Nesse contexto, a relação simbólica entre Brancaleone e Garibaldi permite refletir sobre a eficácia (ou não) do exército que compõe a segurança pública: policiais civis, federais e militares, guardas municipais, agentes das políticas públicas, sistemas de justiça e ações sociais e comunitárias.
Assim, quando há desarticulação entre essas partes, a resposta à violência assemelha-se à comédia trágica vivida por Brancaleone, marcada por ações desconexas, falta de resultados e de credibilidade perante a população.
Porém, quando tem planejamento, integração entre as esferas governamentais, valorização e qualificação profissional e envolvimento da sociedade, a atuação se assemelha ao modelo de Garibaldi: firme, idealista e transformador. Essa comparação não busca exaltar a figura do líder militar, mas propor um horizonte de ação pública guiado por responsabilidade, ética e visão de longo prazo.
A segurança pública não se constrói com heroísmos ou improvisos. Exige continuidade, estratégia, inteligência e coerência, atributos muitas vezes ausentes em gestões imediatistas ou populistas. Nesse cenário caótico, o combate à violência patrimonial, doméstica, contra jovens pretos, mulheres, indígenas e pessoas LGBTQIA+ precisa ser edificado.
Entre Brancaleone e Garibaldi, portanto, há mais do que uma diferença estética ou histórica. Existe um convite à escolha entre o caos cômico da aventura individual e a ação coletiva orientada por princípios e metas.
No Espírito Santo, e no Brasil como um todo, cabe aos gestores, instituições e à sociedade decidir qual caminho seguir. Afinal, a segurança pública, como toda construção social, não é um roteiro fechado, mas uma narrativa que se escreve todos os dias.
MATÉRIAS RELACIONADAS:
SUGERIMOS PARA VOCÊ:
Tribuna Livre,por Leitores do Jornal A Tribuna