Os assassinatos
Um estudo da Organização Mundial de Saúde revelou que a poluição mata mais que os acidentes de trânsito
Dia desses, em um final de tarde, percorria eu uma movimentada avenida de uma grande cidade brasileira. Aparentemente nada havia de estranho no cenário: ônibus e carros passavam em velocidade considerável a poucos centímetros da multidão de pedestres, o barulho era ensurdecedor e a fumaça entrava sem a menor cerimônia no pulmão de todos que ali estavam.
Foi quando reparei no silêncio das pessoas, fruto do barulho! Recordei-me de um estudo realizado no Reino Unido sobre nada menos que 8,6 milhões de pessoas ao longo de sete anos, segundo o qual quem convive com altos níveis de poluição sonora tem probabilidades 4% maiores de morrer prematuramente e 5% maiores de ser vítima de derrame – 9%, caso seja idoso. Fiquei a pensar nas pobres pessoas que ali trabalham cotidianamente.
Leia mais sobre Tribuna Livre aqui
Lancei meus olhos sobre a fumaça branca que saía do escapamento dos veículos, declarando guerra aos nossos organismos – e guerra da qual sairá vencedora, pois que, conforme constatado por pesquisadores norte-americanos, pessoas sujeitas a altos níveis de poluição do ar vivem em média 3,2 anos a menos.
Um outro estudo norte-americano, realizado sobre 107.130 mulheres, constatou que aquelas submetidas a índices elevados de poluição atmosférica seriam 38% mais propensas a contrair doenças cardíacas. E, finalmente, um da própria Organização Mundial de Saúde (OMS) revelou que a poluição mata mais que os acidentes de trânsito.
Uma vez mais, contemplando aquela cena cotidiana, senti o quão pouco vale uma vida humana! Lá estavam veículos imensos passando, alguns em alta velocidade, literalmente ao alcance das mãos de idosos e de crianças, desprotegidas e comprimidas pela calçada afora.
Leia mais
Novo ciclo virtuoso do petróleo e gás no Estado
Defensoria Pública e as ações pela inclusão
Recordei-me de um estudo brasileiro indicando que 39% dos acidentes fatais no trânsito são decorrentes de atropelamento – e observei algo curioso: não havia ali um único mecanismo de controle de velocidade em um País tão pródigo neles.
Lancei um olhar sobre quem passava a bordo dos veículos. Todas sacolejando por conta da histórica péssima qualidade da pavimentação. Motociclistas desviando de buracos e quase colidindo com outros veículos. Um cenário que seria considerado absurdo se não fosse tão rotineiro.
Voltei aos meus tempos de criança para perceber que nada mudou naquele lugar – e em tantos outros pelo País afora – ao longo de mais de meio século. Por que será? Diriam alguns que o motivo é financeiro. Em crise há décadas, nosso País não teria recursos para alterar a matriz de transporte público ou realizar as obras viárias necessárias.
Há alguma inteligência neste argumento? Não: recente pesquisa da USP provou que são gastos R$ 14 por segundo para tratar sequelas respiratórias e cardiovasculares de vítimas da poluição do ar – e só ela, sem contar os efeitos dos acidentes de trânsito e da poluição sonora.
Ou seja, seria mais humano e barato prevenir do que remediar. Mas por qual motivo nada muda há décadas? Seria porque os beneficiários constituem apenas uma esmagadora maioria?
Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo
Leia mais
Será que estou convivendo com um psicopata?
A busca por igualdade salarial