Fartura e fome
Cada brasileiro come 35 kg de hortaliças por ano – e nossa ineficiência joga no lixo 37 kg por habitante no mesmo período
Era o dia 2 de fevereiro de 1987. A capa do jornal A Tribuna trazia que o “Estado perde 20% de grãos por falta de armazenagem”. Uns 12 anos depois li que “o desperdício de alimentos do Brasil representa quase 20 vezes a verba anual disponível para a merenda escolar e daria para alimentar 30 milhões de pessoas carentes”.
Três anos mais tarde, em 2002, divulgou-se que “39 mil toneladas de comida vão para o lixo todo santo dia, o suficiente para dar café, almoço e jantar a 19 milhões de pessoas”.
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Ainda naquele ano constatou-se que “só 39% da produção agrícola viram comida no prato de alguém. O resto fica pelo caminho. A perda é de 15% na indústria, 8% no transporte e armazenamento, 20% no plantio e na colheita, 17% com o consumidor e 1% no varejo”.
Veio o ano de 2003: “na Ceasa, em Campinas (SP), são desperdiçadas 400 toneladas de hortifruti por mês”. Calculou-se que até 30% da produção de tomate são desperdiçadas e a Embrapa descobriu que o Brasil desperdiça 40% das bananas e dos morangos que planta, 30% das melancias, 26% dos abacates, 25% das mangas, 22% das laranjas, 21% dos mamões, 20% dos abacaxis, 50% da produção de couve-flor, 45% da de alface e 35% da de repolho.
Acolhemos 2004. Constatou-se, então, que “o Brasil é um dos países onde mais se joga comida fora. O desperdício de alimentos chega a 40% do que é produzido. Nos Estados Unidos a perda não passa de 10%”. Quanto à agricultura descobriu-se que 44% da colheita se estragam antes de chegar à mesa do consumidor. Veja só: cada brasileiro come 35 kg de hortaliças por ano – e nossa ineficiência joga no lixo 37 kg por habitante no mesmo período.
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Fomos a 2005. O IBGE apurou que em 2003 o Brasil produziu 51,5 milhões de toneladas de soja, mas perdeu 3,5 milhões de toneladas só com a péssima estocagem pós-colheita. Alcançamos 2006, ano em que, segundo a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, desperdiçamos R$ 12 bilhões em alimentos. Afirmou-se que “esse desperdício representa 1,4% do PIB nacional e daria para alimentar 8 milhões de famílias carentes por um ano, com cestas básicas mensais no valor de um salário-mínimo”.
Chegamos ao ano de 2007, no qual foi realizada nova pesquisa. Eis a conclusão: “Cerca de 30% dos alimentos produzidos no Brasil vão parar no lixo, sem qualquer chance de aproveitamento”.
Avançamos rumo a 2008, ano em que a ONU/FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) constatou que no Brasil “quase 64% do que é plantado termina no lixo”.
E assim chegamos a 2022, quando a ONU demonstrou que o Brasil desperdiça por ano umas 27 milhões de toneladas de alimentos – e que 80% desse desperdício acontecem no manuseio, transporte e nas centrais de abastecimento.
Pronto! Eis aí, perfeita e acabada, a reprodução daquela capa de A Tribuna do já distante 2 de fevereiro de 1987. Já se passaram quase 40 anos e o problema continua o mesmo! Talvez tenha passado da hora de prestarmos mais atenção às palavras de Roberto Campos, segundo quem “o mundo será salvo muito mais pela eficiência do que pela caridade”.
Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo
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