A democracia militante e a escolha da regra no meio do jogo
Virou moda falar de democracia militante e suas variações. O Brasil tem um grave problema de simplificar temas complexos
Se há algo terrível a ser combatido no mundo jurídico, são os desvios de autoridades. Durante anos, o Brasil aplaudiu, cegamente, as operações de toda sorte, com nomes mirabolantes, que, se de um lado algumas desnudaram a corrupção nacional como nunca antes se viu, de outro, e ao mesmo tempo, foram acusadas de fazer uso de expedientes tidos como questionáveis.
Para quem “apanhou”, houve acusações de violação de direito de defesa. Para quem “bateu”, os fins justificavam os meios. As frases anteriores não implicam defesa de qualquer investigado, não defendem o malabarismo jurídico para anular condenações, tampouco entram no mérito delas. Servem apenas de mote para esclarecer que o direito não é lugar de “vinganças” e que dois erros não fazem um acerto.
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Analisando recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de forma a afastar paixões políticas, vê-se uma extensão anômala de conceitos da lei de ficha limpa para efeito de encontrar uma sanção contra o deputado federal Deltan Dallagnol.
A decisão praticamente cria uma regra nova, que não consta claramente na lei. Digo isso com serenidade, a mesma que tive para criticar decisões como a que impediu a nomeação de Lula para um cargo de ministro.
Muitos tentam justificar essas anomalias como sendo uma resposta da “democracia militante” contra os inimigos da democracia. Virou moda falar de democracia militante e suas variações. O Brasil tem um grave problema de simplificar temas complexos.
A democracia militante foi proposta por Karl Lowenstein para combater o fascismo. Ele via o fascismo como “técnica” para tomar o poder pela violência e pela má-fé, desvirtuando valores da democracia contra ela mesma. Técnica que abusava das chamadas decisões “ex post facto” ou escolha de critérios decisórios após o fato ocorrido. Quem decide define o critério de decidir. Não é mais a regra prévia que interessa, mas, sim, quem vai decidir. O “decisor” acaba sendo também fonte da regra!
A democracia militante gera, pois, o risco de degeneração em um novo modelo de abuso ou em um sistema em que órgãos como o parlamento se tornem desnecessários, violando-se a separação de poderes, tão essencial para as democracias. Converte-se numa crença messiânica: creio que o “chefe da vez” será bom e terá bons critérios. Isso mata a segurança jurídica garantida pelo uso de normas prévias e seguras, aplicadas isonomicamente a todos. Impessoalidade, segurança e isonomia.
Temos, parafraseando Lula, poderes acovardados. Quando o parlamento se reduz a um quase-omisso, outros poderes tomam suas funções. É antiga a advertência: o poder não admite vácuo. Se deixar seu espaço, alguém o tomará e, para recuperar, será extremamente difícil. Cabe ao parlamento a resposta democrática. Se ele terá o estofo republicano para tanto, são lá outros quinhentos.
Luiz Henrique Antunes Alochio é advogado e doutor em Direito
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