Ausência que preenche uma lacuna
A celebração climática em Belém contrasta com tensões geopolíticas
A COP 30 é uma festa. Entusiasmo e alegria são a melhor maneira de celebrar a importância da conferência da ONU sobre a mudança de clima. Trata-se, afinal, de juntar os melhores técnicos, cientistas e diplomatas do mundo para encontrar maneiras práticas e viáveis de enfrentar um problema que ameaça toda a humanidade.
As mudanças climáticas estão assumindo um ritmo perigoso, estamos todos juntos nessa encrenca, e é portanto racional, oportuno e importante ter um espaço para procurar respostas práticas para a crise. Os negociadores que estão em Belém têm consciência de que estão vivendo um momento raro, em que trabalham juntos para o bem da humanidade. Participam de uma grande celebração para a qual todos os países foram convidados, e a maioria compareceu.
A ausência mais notada foi a de Donald Trump, que não mandou sequer uma delegação para representar seu país. Como esse país tem a economia mais dinâmica do mundo e vem, há 80 anos, fazendo o papel de líder no concerto das nações, a ausência é notória. Se os americanos viessem, porém, complicariam mais do que ajudariam, dado o seu negacionismo. No fim das contas, não fazem muita falta.
O pior é que, em vez de mandar diplomatas, os EUA despacharam para a região o porta-aviões Gerald Ford, um colosso que dispõe de uma pista para pousos e decolagens com área equivalente a três gramados do Maracanã, e integra um grupo de ataque com mais três contratorpedeiros, esquadrões de caças F-18 e helicópteros MH-60, que se juntarão aos cerca de dez mil militares que já se encontram no Caribe. Qual o objetivo do deslocamento, que custa milhões de dólares, desse arsenal assustador?
É difícil imaginar que o propósito de Trump seja transformar a Venezuela em geleia; descartemos essa hipótese, o menos por enquanto. Persuadir Nicolás Maduro a deixar o poder tampouco parece factível. Pelas notícias disponíveis, ele está cada vez mais agarrado aos seus generais, e vem movimentando as tropas para evitar eventuais ataques de populares ao palácio de Miraflores. Convencer algum oficial de patente mais baixa a dar um golpe é sempre possível, mas isso costuma ser feito por debaixo dos panos, sem alarde, e leva tempo. É provável que Maduro consiga manter-se agarrado à cadeira presidencial por mais tempo do que Trump disporia para manter o porta-aviões no Caribe sem prestar contas ao Congresso. Para que, então, a demonstração de força?
Considerando os antecedentes de Trump, é forçoso pensar que a manobra visa desviar a atenção da opinião pública de dois eventos recentes e, até certo ponto, inesperados, que tendem a abalar a ascendência que o presidente vem há dez meses mantendo sobre o Legislativo e o Judiciário americanos.
O primeiro foi a derrota eleitoral que os Republicanos sofreram, em 4 de novembro, em Nova York, Virginia, Nova Jersey e na Califórnia. O desafio dos Democratas é canalizar o desejo de mudança evidenciado nas urnas para fortalecer a oposição, que teve um desempenho pífio até aqui. Nesse contexto, a figura emblemática é a de Zohran Mamdani, eleito prefeito de Nova York.
Se Nova York é diferente do resto do país, Mamdani também é singular. Filho de indianos altamente intelectualizados, o pai professor universitário e a mãe cineasta talentosa, ele é articulado como poucos, tem uma energia fora do comum e um bom humor permanente. Em suma, tem carisma, além de uma interlocução fluida com os jovens. Nasceu em Uganda, por isso está impedido constitucionalmente de se tornar presidente, o que até facilita a sua inserção no Partido Democrata, pois não atrapalha o caminho de políticos mais tradicionais, como Gavin Newsom.
Aos 58 anos, Newsom já colocou nas ruas, para todos os efeitos práticos, a sua candidatura presidencial. As eleições serão em 2028 e, a rigor, está bastante cedo para essas movimentações. No entanto, o retrospecto dos últimos dez meses mostra que a inércia dos Democratas diante da onipresença de Trump só pode ser alterada com um nome forte que galvanize a oposição.
O segundo dado novo foi a aprovação por 218 votos, consignados não só por deputados Democratas, mas também por Republicanos, para que o Executivo divulgue o chamado “dossiê Epstein”, ou seja, a volumosa coleção de documentos e correspondência apreendidos pelas autoridades policiais nas propriedades de Jeffrey Epstein. É pouco provável que a documentação seja fornecida no corrente ano. Seja como for, o assunto seguirá em pauta em 2026, ano de eleições legislativas nos EUA.
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