O problema do presente e 1/4 de século que se foi
Uma reflexão sobre nossa relação ansiosa com o tempo e a urgência de reaprender a viver o presente
Pós Doutor em Psicanálise, doutor em Comunicação e professor titular da Ufes
Esta é uma época do ano em que o tempo entra em pauta como se tivesse peso. Fardo de diferentes sintomas, vai de celeradas celebrações de sua passagem à amarga sensação de sua irrecuperabilidade, sem falar da opressão de seu porvir enigmático.
Aproveitando a “ocasião”, talvez seja pertinente lembrar que esta é uma era que lida problematicamente com o tempo, notadamente a temporalidade do presente. Por um lado, tenta-se, de variadas formas, maquiar, harmonizar, “hormonizar”, enfim, mascarar a sua passagem irrecorrível.
Mas, concomitantemente à tentativa de congelar o tempo num determinado presente passado de juventude admirável e imbatível, busca-se multiplicá-lo, com variadas fatias de presente em rede – cada aplicativo é um agora que se soma/acumula ao aqui da presença.
Não sem custo, encaramos essa aventura de desafiar Cronos, titã do tempo, devorador por essência. Nessa marcha de insensatez, disfarçados de corpos suplementados e faces plastificadas, filtrados na aparência das intermináveis aparições em telas, estamos perdidos no labirinto temporal.
Em transtorno de contorno egóico, sem memória possível da montanha de passado que criamos alucinadamente, com um presente reduzido ao instante e multifatiado, e com sôfregos futuros também plurideterminados, seguimos entre acessos ou processos de ansiedades, pânicos, melancolias, depressões...
Neste domingo espremido entre o Natal e o Ano-Novo, momento em que a maioria tenta, ainda que de forma vã, se livrar da agenda da temporalidade e seus fantasmas, talvez seja a hora de fazer o convite para surfar na onda inescapável: que tal examinarmos a linha do tempo que estamos fiando na máquina de nossa existência?
Uma visada simples, apesar de aterradora, pode ser aquela da mera continha de aritmética: descontados os dias passados deste novo milênio, nesta virada já teremos consumido ¼ do seu primeiro século. “Num piscar de olhos”, 25% do século 21 já se foram. E será que percebemos? Pela loucura que se tornou a nossa relação com o passar dos dias, talvez tenham sido poucos a fazer esse cálculo na operação numérica da vida.
Assim, pode não ser um despropósito esse chamamento à reflexão acerca da corrente experiência do tempo. Ocorre justamente para que voltemos nossa atenção à temporalidade mais maltratada na contemporaneidade, precisamente a única que temos para respirar e exercitar nossos sentidos: o vilipendiado presente.
Apesar de tudo, camaleônica contingência da vida, o tempo segue seu curso sem fim, marcando dias bons, outros nem tanto, mas sempre como uma dádiva. Às vésperas de um novo ano, que possamos retomar a centralidade do presente em nossos dias, como alertou Santo Agostinho lá no século IV.
Que, na fartura ansiogênica dos incontáveis presentes – digitais e presenciais –, sejamos capazes de escolher o agora em que vamos viver com consequência e plenitude – e, desse modo, também nos pacificarmos com o que passa e com o que vem. Que nos ocupemos, pois, de saborear o presente, onde efetivamente existimos no tempo.
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