O viciado em trocar de vício
Confira a coluna desta terça-feira (28)
Decepção, frustração, tristeza, entre outros dolorosos sentimentos, são ervas daninhas que costumam servir de fertilizantes para nutrir vícios. Convém lembrar, entretanto, que não adianta transferir esses adubos de um solo para outro. Todo mal deve ser arrancado pela raiz.
Algumas pessoas tentam controlar compulsões substituindo uma por outra, buscando uma espécie de mecanismo de compensação.
Isso acontece porque esse impulso utiliza a dopamina como neurotransmissor principal, produzindo sensação de prazer e bem-estar a partir de estímulos diversos como, por exemplo, beber água quando temos sede e após fazer sexo ou exercício físico.
No entanto, certas obsessões têm a capacidade de ativar diretamente o cérebro e, em alguns casos, de forma mais intensa que qualquer estímulo fisiológico.
A vida consiste numa sempiterna luta do ser humano para libertar-se dos seus vazios existenciais.
Vivemos cercados de pessoas, mas existimos a sós. Atravessamos a existência de mãos dadas, mas morremos sozinhos.
A raça humana padece, presa no seu eu solitário, buscando mecanismos compensatórios para mitigar sua solidão.
Almejando respostas para aliviar o vazio, pessoas se submetem aos vícios, tentando, com isso, abrir as portas da percepção.
Vagando nos corredores de um shopping, um cidadão olha através de uma vitrine, e se vê gordo.
Talvez ele não perceba, mas sua carência afetiva colaborou para gratificá-lo com guloseimas, tentando, com isso, reviver a fase mais satisfatória de sua vida, aquela em que todo prazer era ser amamentado no colo da mãe, recebendo, além do leite, amor e segurança.
O resultado foi uma incômoda obesidade, acabando por diminuir sua autoestima.
Voltando para casa, tratou de fazer uma dieta, mas percebeu que além de perder peso, perdeu também a disposição, desencadeada pela baixa de serotonina no cérebro.
Magro, embora meio deprimido, buscou consolo na religião, sorvendo promessas e respostas transcendentais.
Com o passar dos meses, começou a perceber que havia trocado o vício da bulimia pelo vício do fanatismo.
Abandonou o templo e atolou o pé no trabalho, pensando em riqueza e status. Realmente enriqueceu.
Entretanto, mais uma vez havia trocado de vício, substituindo o radicalismo religioso pela obsessão pelo trabalho.
Voltado exclusivamente para a labuta, esqueceu da mulher e dos filhos, terminando por destruir seu casamento. Desiludido, largou o trabalho e enveredou para o álcool.
Bebendo demasiado, acabou perdendo os amigos e a saúde. Vendo seu estado, um dos últimos amigos tratou de levá-lo ao médico, conseguindo, quase por milagre, que ele parasse de beber.
Após algum tempo, notou que havia voltado a engordar, ignorando que tanto o álcool como as guloseimas são tirados do açúcar.
Retornando ao shopping, o desanimado cidadão parou diante de uma loja e, através da vitrine, notou o reflexo do seu ciclo vicioso.
Feliz aquele que mata seus vícios antes de morrer por eles.
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