O filtrado sangue que chega ao cérebro
Confira a coluna
Denominada isquemia, a interrupção do fluxo sanguíneo cerebral, ocorrida quando uma ou mais áreas deixam de receber oxigênio, pode produzir sequelas ou levar o paciente à morte.
O cérebro precisa de sangue para criar e utilizar sua reserva de energia, que é gerada a partir da quebra de moléculas de glicose. Apesar dessa vital necessidade, o sangue pede licença para entrar no cérebro.
A barreira hematoencefálica foi descoberta no final do século 19, quando o médico alemão Paul Ehrlich injetou corante na corrente sanguínea de um camundongo. Para sua surpresa, a tinta infiltrou todos os tecidos, exceto o cérebro e a medula espinhal.
O método comprovou a existência de obstáculos entre o cérebro e o sangue.
O objetivo desse filtro é proteger o órgão contra toxinas e patógenos. Ao mesmo tempo, essa fronteira permite que nutrientes vitais cheguem ao sistema nervoso central. Outra função dessa peneira é ajudar a manter níveis constantes de hormônios e água, no cérebro. Várias doenças, infecções e lesões podem prejudicar a estrutura da barreira hematoencefálica. Uma delas é a infecção bacteriana causadora de meningite.
As bactérias meningocócicas podem se ligar à parede endotelial, fazendo com que ocorra abertura nas suas junções.
Como resultado, a barreira se torna mais porosa, permitindo que germes e toxinas infectem o tecido cerebral, podendo resultar em graves injúrias.
Quando a estrutura da barreira hematoencefálica é danificada, toxinas, patógenos e células do sistema imunológico podem entrar no cérebro e provocar danos ao sistema nervoso central.
Nessa situação, ocorre liberação de citocinas, substâncias secretadas em processos inflamatórios e outras atividades do sistema imunológico, que lesam neurônios e levam ao surgimento de enfermidades neurológicas.
Uma dessas agressões ocorre pela esclerose múltipla, doença que induz o sistema imunológico a atacar o sistema nervoso.
Acredita-se que alterações na barreira hematoencefálica desempenham papel importante no desenvolvimento dessa patologia autoimune.
Na fase inicial da esclerose, certas respostas inflamatórias contribuem para aumentar a permeabilidade da barreira, permitindo a entrada de células imunitárias no cérebro.
Com isso, surge o aumento da resposta inflamatória no sistema nervoso central, tornando a barreira disfuncional e danificando ainda mais as células nervosas.
Embora a barreira hematoencefálica seja eficaz para evitar que substâncias indesejadas cheguem ao cérebro, isso também tem um lado negativo.
A maioria dos tratamentos com drogas não cruza prontamente a barreira, representando um grande impedimento para o tratamento de distúrbios mentais e neurológicos.
Nem tudo desvenda o cérebro. Ele mostra só o que quer; não por vaidade, mas por segurança. Uma seletiva rede de vasos sanguíneos protege a autonomia desse santuário.
A realidade, que nele entra, tem seus limites. O manancial, que dele sai, não tem fronteiras.