O desnecessário excesso de exames
Excesso de exames pode comprometer diagnósticos ao substituir o raciocínio clínico pela dependência de resultados laboratoriais
Vivemos uma cultura que valoriza o excesso de exames complementares. Muitos pacientes pensam que solicitar dezenas de exames é sinônimo de excelência do médico. Erroneamente, a maioria dos doentes acredita que os médicos que pedem muitos exames são mais cuidadosos e capacitados.
Além dos custos, solicitar muitos exames complementares pode fazer com que uma pessoa saudável seja equivocadamente rotulada como portadora de alguma enfermidade, caso algum desses exames apresente um resultado anormal.
Exageros laboratoriais podem levar a tratamentos desnecessários, inclusive procedimentos invasivos e cirurgias, sem perspectiva real de benefício para o paciente.
Ao solicitar excesso de exames, de forma automática, sem individualização, correndo riscos de causar mais danos que benefícios, o profissional gera prejuízo à saúde do paciente.
Não se deve buscar socorro em exames sem primeiro conhecer a clínica do doente.
Imagine um indivíduo que tenta convencer todo mundo que é bom de tiro.
O único problema é que ele não consegue acertar o alvo. Então, o atirador tem uma ideia genial. Ao invés de pintar o alvo e depois tentar acertá-lo, ele faz o contrário.
Primeiro, dá vários tiros na parede, sem que ninguém veja. Depois, vai até a parede e pinta um alvo ao redor do lugar onde os tiros acertaram.
Os vizinhos só veem o resultado, e ficam convencidos de que ele é mesmo um grande atirador. Substituir o raciocínio clínico por alvos laboratoriais pode resultar em conclusões inadequadas.
Na medicina, isso é bastante comum: o médico atende um paciente apresentando queixas vagas e exame físico inespecífico. O que ele faz? Pede um monte de exames, é claro!
Só que, quanto mais exames o médico solicita, maior a probabilidade de pelo menos um deles vir alterado.
Dias depois, o paciente retorna com um calhamaço de exames. O magnésio mostra-se baixo. Então, só pode ser isso? Foi pintado o alvo ao redor desse mineral.
Prescreve-se o magnésio, mas o paciente continua do mesmo jeito, traduzindo falsa interpretação clínica.
A prática de pedir muitos exames, sem fazer uma avaliação e um raciocínio clínico adequados, é comparado a dar tiros com uma espingarda cheia de chumbinhos.
Como o número de projéteis é suficientemente grande, um deles vai acertar em alguma coisa; não por que o atirador é bom, mas por pura obra do acaso.
Às vezes, o médico chega a conclusões erradas por ingenuidade. Confiando mais no resultado do exame e menos em seu raciocínio clínico, sem checar as limitações do teste, ele erra, sem perceber.
Exames complementares são ferramentas para testar uma hipótese. Se o médico avalia alguém acreditando que possa ter uma infecção urinária, está justificado solicitar exame de urina.
Mas pedir baterias de exames a esmo, sem indicações clínicas, caracteriza deficiente prática profissional.
O raciocínio do médico deve ser de natureza sensitiva. Seus primeiros mestres são os olhos, a mente e o coração.
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