Cascata de prescrição médica
Quando o remédio vira problema: como decisões apressadas e diagnósticos imprecisos alimentam a cascata iatrogênica, especialmente entre os idosos
Comecei estudar piano aos doze anos. Oito anos depois, larguei a música. Pensando em ganhar dinheiro, resolvi fazer medicina; deu errado: me apaixonei pela Arte de Hipócrates.
O universo das notas, acordes, escalas, intervalos, melodias, ritmos, harmonias e andamentos, tornam difícil e exaustivo o estudo da música.
O conhecimento de anatomia, histologia, fisiologia, patologia, farmacologia, semiologia, clínica e cirurgia, moldam o raciocínio do clínico e do cirurgião.
Mas, isso é apenas o alicerce. Longos anos de experiência aliam entendimento com intuição, esses tão necessários instrumentos médicos.
Ao prescrever um fármaco, o médico coloca sobre o receituário sua vivência e aprendizado. Entre erros e acertos, um procedimento denominado “cascata de prescrição médica”, ocorre com certa frequência.
Um paciente vem consultar, queixando-se de que suas pernas estão inchadas. Como uma razoável hipótese é a de insuficiência cardíaca, ele sai de lá com a prescrição de diurético.
Meses depois, o doente retorna, referindo que começou a se sentir tonto, ao levantar. O que aconteceu com ele é um erro comum na prática clínica.
Entre outras medicações, o paciente fazia uso de um bloqueador de canal de cálcio que pode causar edema periférico, por um mecanismo diferente da sobrecarga volêmica. Sendo assim, os diuréticos não tem o efeito previsto e, por consequência, só geram diminuição do volume sanguíneo e queda da pressão arterial.
O problema começou quando o edema foi interpretado, incorretamente, como sinal de uma nova doença, acreditando-se que, como tal, necessitava de um tratamento, que acabou provocando um novo efeito adverso.
A cascata iatrogênica ocorre quando um novo medicamento é prescrito para tratar uma reação adversa de um medicamento prévio, na convicção errônea de que uma nova condição clínica está presente.
Prescrições em cascata produzem polifarmácia, expondo o paciente ao risco de efeitos prejudiciais relacionados a um tratamento que seria dispensável.
Condições que forçam tomadas rápidas de decisão e acesso precário a informações do paciente, contribuem para esse tipo de erro.
Nos casos em que um indivíduo é assistido por vários profissionais, a falta de comunicação entre eles acaba perpetuando o problema.
Somado a isso, o aumento da expectativa de vida e sua relação direta com o uso de um maior número de remédios, elevam as chances da cascata de prescrição.
Embora possa acontecer em qualquer idade, a cascata iatrogênica é bastante comum em idosos. Mais remédios, mais efeitos adversos.
Convém lembrar que os próprios processos fisiológicos do envelhecimento podem ser confundidos como causas de um novo sintoma, por exemplo, o delírio, tornando cada vez mais difícil atribuir tais problemas a uma medicação.
É preciso verificar se existe alguma probabilidade de que um novo sinal ou sintoma seja consequência de um medicamento em uso pelo paciente.
Não se trata uma doença com outra doença.
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