“Tinha muito medo do que pensariam de mim”, relata aluno
Especialistas afirmam que uma das formas de melhorar a comunicação dos jovens é por meio das conversas “olho no olho”
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“Como eu não conseguia conversar com as pessoas, a internet funcionava como um porto seguro para mim. Passava horas e mais horas assistindo a incontáveis vídeos e jogando jogos. Aquilo me levava para meu mundo precioso, onde tudo parecia melhor”.
Era assim que o estudante Otávio Rodrigues, de 18 anos, se relacionava com a internet por causa da timidez, que o levava ao isolamento. “Toda a vida eu fui um cara mais tímido. Eu nunca soube ao certo o porquê, mas tinha muito medo da avaliação que as pessoas fariam de mim. Fosse por minha aparência, minha voz ou até o meu jeito de andar”, conta.
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Para melhorar a socialização e até o vocabulário, Otávio decidiu fazer um curso de teatro. “Tive contato com o teatro ainda novo na escola que eu estudava na época e, mesmo tímido, a ideia de que tudo não passava de um personagem me fez ter cada vez menos preocupações com os pensamentos alheios”, relata.
A iniciativa de pisar em um palco partiu do próprio estudante, que há quatro meses voltou para o teatro e hoje está na Oficina de Atores Abel Santana. “O teatro não é só sobre ler um texto ou atuar em uma cena. O teatro é sobre se relacionar com seus colegas, ser gentil com seus amigos e entender o quão importante e prazeroso é socializar, conhecer pessoas e fazer amigos”, afirma.
Comunicação
Especialistas afirmam que uma das formas de melhorar a comunicação dos jovens é por meio das conversas “olho no olho”.
“Os pais, principalmente, deverão encontrar novas formas de se comunicar e de se relacionar com os filhos. Isso só acontecerá quando os pais tiverem a atenção mais voltada para os filhos”, destaca o psicopedagogo e terapeuta de família Cláudio Miranda.
Além da família, a escola também precisa estimular a comunicação, de acordo com a psiquiatra Letícia Mameri-Trés.
“A escola pode estimular rodas de conversas e debates. A sociedade, como um todo, está muito adoecida, e a criança e o adolescente são reflexos desta sociedade. Não adianta culpar só a tela”, afirma.
O doutor em Psicologia Danilo Suassuna ressalta que também é importante a família ter a escuta ativa. “A família deve ensinar aos filhos que eles têm a voz ativa. Eles podem falar que serão escutados. Além de estimular conversas e novas amizades, é principalmente aprender a escutá-los”.
Estratégias para melhorar comunicação
Desde muito pequena, a estudante Olivia Mascarenhas Oliveira, 10 anos, precisava ser estimulada pelos pais a brincar mais com outras crianças, já que preferia estar em meio aos livros, segundo conta sua mãe, a neuropsicopedagoga Geovana Mascarenhas, 45.
Uma das estratégias usadas pela família para ajudar a estudante na interação e comunicação com os colegas tem sido o teatro, ideia que partiu da própria Olivia.
“Ela dizia que a voz não saía e se sentia perdida em usar as palavras certas. Como seu contato e amizades agora com 10 anos foi aumentando, ela mesma percebeu essa necessidade”, conta a mãe.
A neuropsicopedagoga conta ainda que desde que iniciou o teatro tem percebido mudanças na filha. “Percebo que minha filha não tem mais dificuldades em nomear e reconhecer seus sentimentos. Isso é maravilhoso”.
E na casa da família, celular e notebooks não são proibidos. “Acredito que com essa idade ela precisa também aprender a lidar com essas tecnologias. É a nossa realidade. Inclusive até trabalhos hoje da escola são feitos com celulares e notebooks. A questão não é proibir, mas, sim, limitar e ensinar conforme cada idade o uso responsável”, afirma.
Sobre as telas, o psiquiatra Jairo Navarro destaca que o mundo é conectado, portanto, seria difícil tirá-las, mas é importante ter equilíbrio.
“O que precisamos, na verdade, é usar a tecnologia de uma maneira saudável. Incentivar os filhos a se socializarem de maneira mais presencial, promovendo até mesmo a diversão. Além de os pais terem mais tempo com o filho”.
A educação com telas, de acordo com o doutor em Psicologia Danilo Suassuna, pode ajudar em alguns aspectos. “Uma criança criada sem telas também será criada fora de sua realidade, já que as telas hoje fazem parte da realidade até dos pais. O que temos de nos preocupar são com as escolhas que estamos tendo com as telas. O importante é limitar o tempo”.
Japão tem 1,5 milhão de pessoas que vivem isoladas
Se o isolamento dos jovens no Brasil já tem chamado atenção de especialistas em saúde, no Japão os dados são ainda mais alarmantes. Quase 1,5 milhão de pessoas em idade ativa no país vivem afastadas da sociedade e 20% delas atribuem o isolamento à pandemia da covid-19.
O fenômeno afeta quase 2% das pessoas com idades entre 15 e 64 anos, ou seja, um total de 1,46 milhão dos pouco mais de 125 milhões de habitantes do país. O estudo, feito em novembro do ano passado pelo governo japonês, foi publicado neste ano e divulgado pelo O Globo.
O motivo apontado com mais frequência pelas pessoas que vivem reclusas é o abandono do emprego, seguido de perto pela crise sanitária da covid-19. A pandemia foi citada por 18% dos entrevistados com idades entre 15 e 39 anos, e por 20% das pessoas na faixa dos 40 a 64 anos. Outras causas foram a depressão ou sofrer bullying na escola ou no local de trabalho.
No país asiático, as pessoas que vivem isoladas socialmente são conhecidas como “hikikomori”. Elas evitam atividades em que há socialização, como frequentar a escola ou comparecer ao trabalho, e que, há pelo menos seis meses, só saem de casa para fazer compras ou praticar um hobby individual.
Quarto
No Brasil, jovens reclusos já são denominados como “geração do quarto”. O termo é descrito na pesquisa do pós-doutor em Estudos da Criança Hugo Monteiro Ferreira, que revelou que 75% dos adolescentes entre 11 e 18 anos que participaram do estudo passam muito tempo dentro do quarto e com quase nenhuma conversa com as pessoas que moram na mesma casa.
O pesquisador explicou que a pesquisa surgiu de uma inquietação dos pais, incomodados com o tempo que os filhos passavam no quarto. Os jovens avaliados são adolescentes que passam mais de seis horas dentro do quarto, usam excessivamente as redes sociais, têm muita dificuldade de interlocução dentro de casa e todos com experiência de serem vítimas de bullying ou cyberbullying, além do potencial de violência contra si e contra o outro.
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