“Ter tempo exige coragem”, diz psicóloga
Para 55,9%, a falta de tempo é um dos fatores que mais atrapalham a qualidade de vida atualmente

Vinte quatro horas para realizar todas as demandas de um dia parecem não estar sendo suficientes para a maioria das pessoas. Pelo menos foi isso que demonstrou a pesquisa da Empresa Junior da Universidade Vila Velha, EJUVV, em parceria com A Tribuna.
Para 55,9%, a falta de tempo é um dos fatores que mais atrapalham a qualidade de vida atualmente. Na visão da Suzana Pittol, psicóloga clínica, ter “tempo é um luxo que exige coragem”.
“Desde o momento em que acordamos até a hora de dormir, o ritmo da vida nos impõe a ocupação constante. Nossa cultura nos ensina que a pausa é prejudicial e que o descanso é sinônimo de improdutividade, nos fazendo sentir culpa”, destaca.
“Mas ter a coragem de parar, respirar, dizer não ao que nos faz mal e dedicar tempo a nós mesmos e aos outros é um ato de liberdade, capaz de trazer grande prazer e alívio”, ressalta a psicóloga.
Suzana ainda pontua: “O tempo se tornou um bem raro em uma sociedade que nos exige fazer tudo a toda hora e de forma acelerada, tanto no mundo virtual quanto no presencial”.
Para Sandra Teschner, uma das principais referências brasileiras em Ciência da Felicidade e Felicidade no Trabalho, palestrante internacional e autora best-seller, a hiperconectividade e a pressa constante criam um estado de alerta permanente no cérebro.
“É como se estivéssemos sempre “ligados” no modo de sobrevivência, ativando o eixo do estresse (hipotálamo–hipófise–adrenal) e reduzindo a capacidade de descanso profundo. Isso afeta o sono, o humor e até o sistema imunológico”, esclarece.
“Perdemos micromomentos de presença – aqueles instantes de conversa sem pressa, de silêncio reparador, de riso espontâneo – que são essenciais para regular emoções. A ironia é que temos mais tecnologia para economizar tempo, mas a usamos para preenchê-lo até transbordar”, frisa Sandra.
A psicóloga Izabelli Pancieri Cruz, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), afirma que o desafio não é “ter tempo”, mas escolher onde investir presença.
“Saber dizer não ao excesso é o caminho para dizer sim ao que realmente tem valor”, explica.
Nova profissão por causa dos filhos
Há três anos, a enfermeira Daniela Peniche, 39 anos, resolveu mudar de profissão para ter mais tempo livre com seus filhos, Pedro Jorge, 9 , e Maria Júlia, 6.
Ao lado do marido, o empresário Fabrício Gonçalves, 41 anos, Daniela agora se dedica, no período da tarde, aos negócios da família, enquanto os filhos estão na escola. Para ela, ter esse tempo e estar com sua família têm sido seu luxo.
“Está cada vez mais difícil encontrar pessoas dispostas a viver o que o casamento proporciona. É uma vida de desafios, renúncias, mas de muito amor e entrega”.
Mas Daniela não nega que a tecnologia pode, em alguns momentos, atrapalhar esse tempo.
“Por estarmos mais conectados, nos colocamos à disposição de desenvolver várias tarefas ao mesmo tempo, e isso consome nossa agenda. Nos tornamos ocupados e cansados. Precisamos estar em alerta”.
Maioria escolheria saúde ilimitada
Apesar de 44,1% afirmarem ter preocupações financeiras, ainda assim, se pudessem, 49,69% dos entrevistados disseram que escolheriam ter saúde como único recurso ilimitado.
Na avaliação de Ayrton Faier Machado, doutor em Administração, professor da Universidade Vila Velha (UVV) e coordenador da Empresa Junior da UVV, EJUVV, a saúde é o item mais citado em todas as faixas etárias.
“Entre os mais jovens, aparecem outras opções, mas, acima dos 46 anos, a saúde se torna praticamente absoluta, refletindo a fase da vida em que outras conquistas já foram alcançadas e a atenção se concentra no bem-estar”.
“Essa resposta se conecta e reforça diretamente a questão anterior, em que a saúde mental foi considerada um luxo da vida moderna. Ou seja, aquilo que hoje é percebido como um luxo, aparece também como o recurso mais desejado”, avalia Ayrton.
O psiquiatra Anderson Dondoni analisa que ter uma saúde mais longeva habilita o cidadão para ter todos os “luxos”, como tempo livre e convivência com a família. “A saúde é o ponto de partida para a pessoa colocar em dia todas os outros objetivos”.
Para ter uma vida mais saudável, umas das dicas da psicóloga Suzana Pittol é se desconectar. “Enquanto estamos conectados, vivemos em uma busca constante por algo que não temos, sem aproveitar o presente”.
A mestre em Psicologia Sandra Teschner recomenda agendar o que importa como compromisso inadiável.
“O jantar em família deve estar no calendário tanto quanto a reunião de negócios”, ressalta.
“Patrimônio que nunca perde valor”

Com uma rotina similar a de centenas de capixabas, a assistente de atendimento Lorrayne Salles Aguiar, de 27 anos, acorda durante a semana entre 4h30 e 5 horas para estar às 7h no trabalho. Por volta das 17h ela sai do serviço.
O trânsito e o cansaço com a rotina nem sempre permitem que ela consiga fazer atividade física, além disso, ela ainda precisa conviver com cobrança e pressão por resultado no trabalho.
“Praticar exercícios, convivência com a família e saúde mental, atualmente, são luxos. Com a correria do dia a dia, às vezes, o simples acaba passando despercebido”, afirma.
De férias, ela conta que este mês está conseguindo, por exemplo, fazer mais atividade física. “Quando estou trabalhando é bem complicado conciliar, uma das causas de achar a prática de exercício um luxo para minha realidade. É como se esses luxos invisíveis fossem o verdadeiro patrimônio que nunca perde valor”.
MATÉRIAS RELACIONADAS:




Comentários