“Prova obrigatória para médicos é urgente”, diz especialista
Presidente da Associação Médica Brasileira alerta que o aumento do número de escolas de Medicina pode ameaçar a formação dos futuros profissionais

Com o número de escolas médicas dobrando na última década, o presidente da Associação Médica Brasileira, César Eduardo Fernandes, alerta: a formação precária ameaça a qualidade da assistência.
Para ele, “a criação de uma prova de proficiência obrigatória para médicos não só é urgente como é para 'ontem'”.
A Tribuna - Avalia que é necessário ter esse exame para se tornar médico no País?
César Eduardo Fernandes - O curso de Medicina hoje é terminativo, ou seja, no fim do curso, ele já está pronto para exercer a profissão, sendo dispensado de qualquer formação complementar, incluindo a residência médica.
Ela não é obrigatória?
No Brasil, não. Em alguns países é obrigatória, o que me parece absolutamente correto. Da forma que a legislação está hoje, o médico tem que sair da faculdade com competências bem definidas e comprovadas.
No entanto, sabemos que nos últimos 10 anos praticamente dobrou o número de escolas médicas. Nessa velocidade espantosa, temos escolas que carecem de campo de ensino, como por exemplo, bons ambulatórios, hospitais de baixa e de alta complexidade.
Não há campo de ensino suficiente para que todos esses alunos possam fazer o aprendizado prático absolutamente indispensável para a formação do médico.
Também faltam docentes qualificados, ou seja, nós temos plena consciência da precarização do ensino médico.
E isso coloca em risco o paciente, certo?
Sim. Porque o médico é formado fazer diagnósticos corretos, para fazer proposições terapêuticas e tratamentos apropriados, assim como para acompanhar esses pacientes. Para isso ele precisa ter competências, precisa treinar, ganhar as habilidades necessárias. O conhecimento de um médico não pode ser presumido, tem que estar comprovado. Então, nós achamos que tem que ser feito um exame de proficiência.
Como seria isso?
O modelo pode ser discutido. Será um exame único que se faz ao final para todos os egressos? É um exame feito seriadamente ao longo dos anos de formação, por exemplo, no segundo, no quarto e no sexto ano? Isso é questão de discussão. Pedagogos e estudiosos de avaliação entrarão em campo para definir a melhor maneira de se avaliar.
O que avalia como melhor?
Certamente, o melhor exame seria seriado. Você faz ao longo do curso e faz também um exame terminal. O problema é que para fazer isso você precisa de muitos recursos financeiros.
Você tem que fazer a mesma prova para todo o País, ao mesmo tempo, porque teria que ter o mesmo 'sarrafo' para todos. Quem vai fazer isso não está definido.
Me parece que teria que ser uma obrigatoriedade do Ministério da Educação, que é quem autorizou o funcionamento dessas escolas. Se não for possível, até entendemos que poderia ser um único exame terminal, com as críticas que cabem ser feitas a um único exame.
Mas eu acho que ele tem que ser feito, porque nós temos que assegurar que o paciente terá toda a competência no seu atendimento e que ele estará seguro com os médicos que nós estamos ofertando para o atendimento da população.
Existe toda uma preocupação, no entanto, com o estudante concluinte que não passar. Ele pagaria caro por um curso e não poderia exercer a profissão.
O estudante tem possibilidade de se reinventar. Ele pode fazer mais um ano, dois anos complementares na sua faculdade de origem, pode estudar por conta própria, como acontece com o advogado. Ele tem que adquirir as competências que estão faltando.
Ele pode repetir o exame no ano subsequente. Enfim, tem que se criar instrumentos para que esse médico tenha possibilidade de “consertar” a sua formação, reparar as deficiências de formação para que ele possa voltar, fazer o exame e ser bem-sucedido.
Nós não queremos punir o aluno. Ele é uma vítima. Se tem uma escola que tem baixa aprovação entre os seus egressos, significa que essa escola não está formando bem. E o governo vai ter que tomar atitude.
Mas temos em outubro o Enamed. Ele não faria isso?
O Enamed tem uma outra visão. Ele não quer fazer avaliação do egresso. Ele quer fazer avaliação da escola com o propósito – e me parece muito bom – de criar restrições naquelas cujos alunos estão indo mal no Enamed. Nossa visão é de que isso pode ter uma importância, pode ser relevante, mas não resolve o problema.
Não seria uma avaliação individual.
Sim. Veja bem, não é a escola que vai atender um paciente. Quem vai atender o paciente é o egresso. Eu, como egresso no curso de Medicina, fui mal, mas isso não tem problema nenhum no Enamed. Ele foi mal, mas vai lá e se registra no conselho e está lá sua carteira profissional.
Defende também que para obter o Registro de Qualificação de Especialidade (RQE), no caso de especialistas, também deveria ter uma prova?
Sim. O que acontece com a graduação médica, acontece com a residência também. Você termina o curso de graduação médica hoje, pega o seu diploma, vai no conselho e o conselho dá a sua carteira profissional.
Você está habilitado a atender. Se você faz uma residência médica, independente das carências, consegue o seu RQE, independentemente se ele adquiriu as competências para ser um cirurgião abdominal, por exemplo.

Entenda
“OAB para médicos”
A formação médica tem sido alvo de debate nos últimos anos por causa da explosão da oferta de cursos de Medicina, que passou de 181, em 2010, para 401, em 2023 – um aumento de 127% em 13 anos.
Especialistas apontam que as novas instituições não têm garantido estrutura de laboratórios adequados, hospitais e ambulatórios, professores preparados e até vagas de estágio suficientes e de qualidade.
Divulgado em abril, o Exame Nacional de Desempenho Estudantil (Enade) de 2023 mostrou que os cursos de Medicina pioraram em relação à última avaliação, feita em 2019. Há dois anos, 20% não atingiram patamar considerado satisfatório. Quatro anos atrás, essa proporção era de 13%.
As críticas com relação à precarização do ensino têm levado a uma discussão sobre a exigência de exame de proficiência para os formados, assim como já acontece para os advogados.
Projeto de lei
Desde 2024, tramita no Senado um projeto de lei para criar o Exame Nacional de Proficiência em Medicina.
Uma audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais da Casa foi realizada nesta semana para discutir o assunto.
Como funcionaria?
A ideia é que os reprovados no exame de proficiência sejam impedidos de atuar de qualquer maneira na profissão.
Ainda não se tem uma definição de quem seria responsável por aplicar o teste e se ele seria apenas após a conclusão ou de forma seriada, ao final de etapas do curso.
Enamed
Em 19 de outubro, o Ministério da Educação prevê a aplicação do primeiro Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), obrigatório para formandos em Medicina. O teste tem como objetivo avaliar a qualidade do ensino de cursos e ajudar na seleção de alunos para residências.
Mesmo com a avaliação, os defensores do exame de proficiência continuam defendendo que haja uma avaliação individual dos estudantes.
Fonte: Pesquisa A Tribuna.
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