Pais buscam ajuda para lidar com “eternos adolescentes”
Segundo especialistas, há jovens adultos, especialmente nos lares privilegiados, que pouco contribuem para as despesas da casa
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Mesmo após concluir a faculdade, João, de 30 anos, não abre mão da casa dos pais. Criado com boas condições de vida, o jovem se dedica à academia, viaja, curte os fins de semana e pouco busca uma posição no mundo de trabalho. Embora seja um personagem fictício distante da maioria dos brasileiros, ele representa um recorte dos jovens de classe média e alta.
De acordo com especialistas, há jovens adultos, especialmente nos lares privilegiados, que pouco contribuem para as despesas da casa, não constroem autonomia para atender às expectativas de vida e, por isso, se tornam “eternos adolescentes” vivendo com os pais.
Nas clínicas de Psicologia, profissionais relatam que há mães e pais que se queixam do comportamento infantilizado em adultos. Mas, afinal, quem são esses “eternos adolescentes”?
O doutor em Psicologia Social e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cláudio Paixão aponta que, dentre as diferentes experiências de juventude com dificuldade na ascensão à vida adulta, jovens cujas famílias têm condições financeiras podem ter sido criados de forma a não desenvolver autonomia.
“São pessoas que foram muito protegidas e muito nutridas, mas de uma forma a não lhes dar a autonomia. Essas pessoas acabaram se refugiando no conforto de suas casas. Muitas delas trabalham e até têm condição de alugar um apartamento, mas se acomodam em viver com os pais, o que se torna inclusive um ônus”.
O especialista diz que desde cedo é preciso que as famílias concedam mais autonomia para crianças e adolescentes ao levá-los à rua e delegar tarefas, por exemplo.
Nas últimas décadas, há uma tendência ao adiamento e, até mesmo, à deslegitimação dos rituais de passagem que marcavam a entrada da vida adulta, como o casamento, exemplifica a doutora em Sociologia Política e professora da Ufes Manuela Blanc.
“Os altos custos de vida, a crise econômica e o contexto do indivíduo, e não apenas mudanças de valores ou interesses individuais, também explicam o fenômeno. Ter dificuldade para fazer a transição para a vida adulta é um privilégio de classes”.
SAIBA MAIS
Superproteção
- Quando uma pessoa em idade adulta assume comportamentos socialmente tidos como infantilizados, como dependência excessiva, falta de responsabilidade, busca contínua por validação e dificuldade em tomar decisões, por exemplo, diz-se que ela vive um fenômeno conhecido como “adultescência”.
- Diversos fatores podem explicar esse tipo de comportamento em adultos, como, por exemplo, a superproteção.
- Adultos que foram educados com excesso de tutela podem tender a ser mais inseguros e a ter receio de enfrentar desafios. Com isso, essas pessoas podem ter dificuldade de deixar a casa dos pais.
Autonomia
- A falta de autonomia emocional cria uma dependência aos pais que interfere no desenvolvimento da maturidade para assumir as próprias responsabilidades.
- Dessa forma, esse adulto agirá como um “eterno adolescente” ao ter dificuldade para lidar com frustrações e para tomar decisões importantes para a vida adulta, como construir uma trajetória profissional e acadêmica, por exemplo.
- A responsabilidade por conceder autonomia para crianças e adolescentes é da família. Delegar tarefas, ensiná-los a resolver os próprios problemas e a assumir responsabilidades são atitudes centrais para que eles cresçam e se tornem independentes.
Privilégio
- Ter dificuldade para fazer a transição para a vida adulta é um privilégio de classe. Entre as classes privilegiadas, a tutela financeira é um comportamento instituído historicamente e nunca foi percebido como um problema.
- Há adultos das classes médias que tendem a copiar, na medida do possível, o estilo de vida de herdeiros como uma forma de validação da autopercepção de classe, ou seja, são pessoas que tendem a manter um padrão de consumo tão alto quanto possível, sem necessariamente precisar trabalhar, estudar e sair da casa dos pais.
- Nesse caso, esse tipo de comportamento serve para performar uma condição de classe.
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