“Era minha chance de mudar de vida”, diz mulher que atravessou fronteira dos EUA
Capixaba conta história de como realizou a travessia junto com sua filha de 15 anos.
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Com a esperança de mudar de vida, uma confeiteira e salgadeira, que hoje tem 47 anos, decidiu correr atrás dos seus sonhos. Mesmo com medo, junto com a filha de 15 anos, ela conseguiu um visto de turista para o México e, em fevereiro do ano passado, deixou Vila Velha, onde morava com a família.
Atualmente, morando em Massachusetts, nos Estados Unidos, ela conta que está feliz, trabalhando como faxineira, mas não esconde a vontade de, um dia, retornar para o Brasil.
A Tribuna – Quando foi para os Estados Unidos? Quem te incentivou?
Faxineira – Eu vim no final de fevereiro do ano passado. Eu entrei nos Estados Unidos no dia 3 de março de 2022, junto com a minha filha de 15 anos.
A minha irmã veio três anos antes, com visto de turista e depois de seis meses ela começou a nos incentivar a ir embora também.
Ela sempre dizia que a nossa situação poderia ser melhor, coisa que seria mais difícil no Brasil.
Fui amadurecendo a ideia porque eu nunca tinha saído do meu País, mas sabia que era a minha chance de mudar de vida. Eu perguntava como que a gente ia conseguir chegar até o México sem ter um gasto tão grande com coiotes. Aí descobrimos que tinha visto de turista para o México e deu certo.
Como chegou aos coiotes?
Não conheci nenhum no Brasil. Lá no México é que você paga um para tentar completar o teu destino. Quando você consegue o visto no consulado mexicano, chega no aeroporto, a imigração te dá alguns dias que você pode ficar. No meu caso, foram 13 dias.
Chegamos ao hotel, descobrimos muitas outros brasileiros e pessoas de outras nacionalidades lá. Foi quando conhecemos outros brasileiros que tinham conhecido mexicanos que contratavam o serviço deles e assim fizemos. Contratamos os serviços dos coiotes para levar a gente até a divisa da travessia com os Estados Unidos.
Quantos eles cobraram?
Eles cobraram em dólares, que na época dava quase R$ 3 mil para nos levar até a fronteira dos Estados Unidos, valor que depende da quantidade de pessoas. Se o grupo for maior, é mais caro.
Quando atravessamos, a polícia americana nos pegou e levou para a imigração. Eu fiquei 14 dias com a minha filha, mas teve gente que ficou muito menos. Pode ficar horas, pode ficar um dia e tem gente que fica até mais dias. Tinham famílias inteiras no local.
Passou pelo deserto? Como foi essa experiência?
O lugar que eu passei não era aquele deserto de alguns anos atrás. Eu andei 30 minutos à noite para fazer a travessia, em um pedaço do deserto. Era um lugar que não dava para ver nada a não ser luzes do outro lado, bem longe, e você tem de andar com muita agilidade.
Se você vai acompanhado de uma criança, anda grudado nela ou no seu companheiro. No meu caso, eu conheci outros brasileiros, um rapaz que estava comigo não me largou por nada. Inclusive ele foi deportado para o Brasil e eu continuei. Eu fiz a travessia, consegui chegar aonde eu estou hoje.
Qual era o perfil de quem, assim como você, se arriscava em busca de um sonho?
Vi uma família de peruanos com cinco filhos. Colombianos, venezuelanos, eram muitos. Havia brasileiros, famílias inteiras e até pessoas idosas e com deficiência. É muito triste. Eu não gosto muito de falar porque é desumano.
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Correu algum risco?
Correr risco, a gente corre porque é um tiro no escuro. Você não sabe o que te aguarda. Ouvi muitos relatos, até de uma brasileira que viu uma pessoa morrer na frente dela, na travessia. É muito triste você saber disso. É um tiro que você dá no escuro.
Passou por muitos apertos para chegar ao seu destino?
Medo todo mundo tem porque não sabe o que te aguarda. Tem gente que fala que é fácil, mas não é nada fácil. Você chega em um país que não fala o seu idioma. Só Deus mesmo.
Como está atualmente?
Eu estou melhorando devagar porque só tem um ano e alguns meses que eu estou aqui. Mas a minha vida melhorou 100% em vista do Brasil.
O emprego aqui não é difícil, principalmente para as mulheres. Aqui, eu estou trabalhando como faxineira e nas horas vagas, quando aparecem encomendas, faço bolo e doces para algumas pessoas.
Pretende voltar para o Espírito Santo?
Não vou negar, eu pretendo retornar, pois nada é melhor do que a sua terra, mas antes quero me estruturar mais. Aqui não existe Previdência Social.
Faria tudo de novo?
Sim, mas pensaria bem antes se traria a minha filha. Chegar até aqui com uma pessoa dependente de você é mais complicado. Imagina você perder um filho naquela escuridão e não poder fazer nada. É muito triste, é de dar medo, é de arrepiar, por mais segurança que você tenha em si mesma.
“Não vale a pena correr o risco”, diz advogado
Na busca por uma vida melhor nos Estados Unidos, não vale o risco que brasileiros passam para entrar ilegalmente em solo americano, segundo especialistas.
As paralegais especialistas na área de imigração Renata Rocha e Jessica Melo contaram que muitos brasileiros querem viver o tão falado “sonho americano” que é mostrado nos filmes de Hollywood e até mesmo por influenciadores que moram nos Estados Unidos e partilham a sua rotina nas redes sociais.
Elas disseram, porém, que o que começa como “estou iniciando a busca pelo meu sonho americano” acaba se transformando em “estou vivendo o meu pior pesadelo”, já que várias pessoas optam por se arriscar no deserto para atravessar a fronteira americana.
O que muitos não sabem, segundo elas, é que existem mais de 180 tipos de vistos para imigrar para os Estados Unidos de forma segura.
O presidente da Comissão de Direito Internacional e Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Espírito Santo (OAB-ES), Estenil Casagrande, também destacou que existem hoje vários tipos de vistos que os Estados Unidos colocam à disposição das pessoas que desejam viajar para o país.
“Para quem tem o sonho de ir, as vias legais ainda são as melhores formas. Vejo muitas pessoas que vendem casa, carro, retiram FGTS, se desfazem de tudo o que têm para se arriscar. Eles tentam entrar nos Estados Unidos, de moto, em bagageiro de carro, de canoa. Viver lá não vale o risco de vida que correm”, disse Casagrande, que também é membro da Comissão de Direito Internacional do Conselho Federal da OAB nacional.
Entre os perigos, ele listou também que muitos brasileiros ainda passam por humilhações, violência e ficam “na mão” de coiotes, que, mesmo recebendo, não garantem o sucesso da empreitada.
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