Empresário que ficou 50 horas à deriva: “Avião passou por cima e não nos viu”
Maikel e o amigo Ronald se reencontraram com familiares e falaram da angústia até serem resgatados após se perderem em alto-mar

Os sorrisos e os abraços compartilhados com todos eram de gratidão e felicidade pela chance de poderem contar uma história com um final feliz. Os amigos Maikel Araujo dos Santos, 42 anos, e Ronald Menezes, 40, contaram como foram as angustiantes 50 horas à deriva no mar.
Cercados pela família e equipes que ajudaram no resgate, eles revelaram como foi o momento em que o motor da lancha parou, por volta das 16 horas do último domingo (28), logo após iniciar o retorno para casa. Eles estavam a cerca de 30 milhas (50 quilômetros) da costa de Marataízes, no Sul do Estado.
Segundo Maikel, empresário do Macakids, eles fizeram uma chamada no rádio para embarcações próximas, sem sucesso, pois ele apagou antes de qualquer contato.
Como o barco estava cheio de peixes, Ronald fez filés, que eram comidos crus após serem salgados na água do mar e colocados no sol.
Uma das maiores dificuldades, no entanto, foi a pouca água que tinham levado – racionada ao máximo. “Não levamos muita coisa, pois era uma pescaria rápida, em que a gente voltaria a tarde”, revelou Maikel.
Eles contaram que, no último dia, a urina deles já estava preta devido à falta de líquido. Além disso, as condições do vento e do mar na segunda (29) e terça-feira (30) eram as piores possíveis, chegando a ondas de 4 a 5 metros de altura.
“A previsão não tinha vento no domingo, mas sabia que na segunda mudaria. Joguei os ferros para ancorar a lancha, mas durante a noite o vento aumentou muito. Ele nos arrastou 7 a 8 milhas para o sul na primeira noite”, disse Maikel.
Para conseguir ter uma ideia de localização, os amigos usaram um aplicativo de celular instalado, que funcionava mesmo sem sinal. Também tinham a bordo uma lanterna, que usavam para sinalizar e enxergar durante a noite, além de terem improvisado uma vela, feita com camisas e casaco deles.
Os dois também revelaram a emoção ao serem avistados por um rebocador, às 17h30 da última terça (30), quando estavam a cerca de 15 quilômetros da costa, pouco antes do Cabo de São Tomé (RJ). O local era considerado por eles o ponto mais próximo que estariam da costa.

“Avião passou por cima e não nos viu”
Quais foram os momentos mais difíceis?
Maikel Araujo dos Santos - Um dos momentos de muito desespero foi quando o avião da FAB (Força Aérea Brasileira) passou em cima e não viu a gente. A gente acenou com as boias. Pensei: “Se ele não viu, quem vai ver?”. Isso foi ontem (terça-feira), por volta das 11 horas.
Já tínhamos visto três rebocadores e acenamos muito, mas eles acharam que a gente estava pescando e foram embora.
Então, resolvemos mudar a estratégia. Eu falei com o Ronald Menezes (amigo): “Não vamos pedir socorro antes da hora. Só quando estivermos bem pertinho, a gente grita, grita, que aí eles vão ver que não estamos pescando”.
O tempo foi passando, a água estava acabando. Era tudo muito desesperador.
Em que momento decidiu gravar uma mensagem de despedida para a sua família?
Depois que o avião da FAB passou e não viu a gente. Foi a hora que eu falei: “Vou gravar uma mensagem para me despedir, porque eu ia tentar nadar”. Se eu morresse, pelo menos eles iam ter esse vídeo para saber o que aconteceu, que a gente lutou até onde deu.
Deixei uma mensagem para a minha esposa, para a minha neném (a esposa está grávida de sete meses), e falei o quanto eu me arrependia de falar pouco “te amo”.
Acho que a situação deles (família) era mais desesperadora do que a nossa. Porque a gente sabia o que estava acontecendo ali. Eles não sabiam nem se iam poder achar nossos corpos.
O que vocês usavam de recurso durante estes dias?
Usamos vários recursos. Uma das ideias foi fazer uma vela improvisada com as nossas camisas. E essa vela criava mesmo um balão e empurrava a gente para a direção sul, aproximando da costa.
Como descreve o contato com o resgate?
Foi um momento muito emocionante. Só que a gente estava ainda com um pouco de medo, porque todos os três rebocadores tiveram mais ou menos a mesma reação.
Ele diminuiu, olhou assim, saiu, falei: “cara, será que eles vão voltar?”
Eles andaram um pouco para frente ainda, aí a gente ficou gelado. Falei que essa era a última esperança de eu não ter que nadar 10 quilômetros, mas a gente viu que eles deram ré, aí a gente falou, cara, eles vão voltar, e voltaram. Eles deram a escadinha.
E eles sabiam que vocês estavam sendo procurados?
O cara que me viu falou: “Acho que são esses caras que estão anunciando toda hora”. Mas eles não sabiam como era a lancha. Eles não tinham certeza se éramos nós.
Agora, não foi um resgate fácil de fazer, foi difícil a gente conseguir segurar aquela escadinha. Demorou mais ou menos meia hora. Tive medo do Ronald cair na água, mas graças a Deus a gente conseguiu ser resgatado direitinho.
Segurei firme ali, meio fraco e fui subindo e aí eu sentei no chão do rebocador. Os caras do rebocador vieram, me abraçaram, e eu só chorava, chorava, chorava, chorava, chorava. A sensação era só de alívio. Eu falei, me dá o celular, deixa eu ligar para o meu pai, deixa eu ligar para Fernanda (esposa), mas só lembrava do número do meu pai. Deixa eu falar que eu estou vivo. E consegui.
Eles voltaram para o Porto do Açu. Navegamos por mais ou menos duas horas, e lá a Marinha já estava aguardando a gente.
Fomos levados até a base da Marinha, em São João da Barra (RJ). Lá, os Bombeiros já estavam esperando e nos deixaram aqui em casa. Que privilégio. Só gratidão.
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