Copos e pratos Duralex são vendidos como relíquia na internet
Produtos, que eram populares entre as décadas de 1960 e 1980, estão sendo vendidos na internet por até R$ 38 mil
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Sabe aquele prato marrom meio transparente que te lembra os almoços de domingo na casa da avó? Ou que está no fundo do seu armário esquecido? Melhor prestar atenção, eles são da marca Duralex, que pararam de ser fabricados em 2012, e estão virando item de colecionador. Há peças sendo vendidas por até R$ 15 mil no Espírito Santo.
Na pesquisa feita por A Tribuna em anúncios on-line, os valores variam bastante. No Brasil, o conjunto mais caro encontrado custa R$ 38 mil e reúne 38 pratos. Mas o vendedor também aceita vender cada peça separadamente por R$ 1 mil.
No Estado, é possível encontrar pratos sendo anunciados por até R$ 15 mil. Mas isso não é tão comum. Tanto usados quanto novos, valores variam entre R$ 4 mil – para kits com vários pratos, travessas e copos – e R$ 77 por uma única peça.
Para o publicitário, autor e professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Cláudio Renato Zapalá, a explicação para esses preços está na mistura de nostalgia, escassez e valor simbólico.
“A raridade pode funcionar como moeda. Veja a exclusividade dos cards raros colecionáveis e os objetos produzidos em pequena quantidade. Qual o valor da Mona Lisa original? Seu valor histórico e material é baseado em sua originalidade e exclusividade”.
Mais do que utensílios de cozinha, ele lembra que os pratos da Duralex carregam memórias e afetos. “São símbolos que remetem aos aromas e sabores de uma infância irreprodutível. Nesse caso, não são apenas tecnologias gastronômicas, mas também discursivas, estéticas, econômicas e afetivas”, destaca.
Essa relação afetiva é percebida também por quem trabalha com antiguidades, como Robson Rezende, 63 anos. Ele participa de eventos como a Feira de Antiguidades da Rua da Lama. Em sua última participação, no início deste mês, vendeu meia dúzia de xícaras de café por R$ 180.
“Observo que as pessoas compram porque lembram da casa de suas avós. Elas associam. Na década de 60, esses pratos Duralex explodiram. Foi uma chuva disso nos lares. Tinha na casa da minha mãe, avó, tias...”, recorda.
Atualmente, Robson tem um jogo de jantar completo por R$ 1 mil. “Meia dúzia de cada: prato raso, prato fundo, sobremesa, xícaras, copos e potinhos de sobremesa”.
Pratos e travessa por R$ 700

A explosão dos preços fez muita gente procurar e retirar dos armários seus pratos Duralex. É o caso do casal Bruna Roberta Alves, 37, e Therlandio Alves, 36, que está vendendo dois pratos e uma travessa por R$ 700.
“Faz uma semana que coloquei o anúncio. Meu marido grava vídeos do TikTok e foi ele quem descobriu sobre o valor dos pratos, em outro vídeo. Aí, pensei que não custava nada anunciar”.
Bruna é técnica de enfermagem, já Therlandio trabalha como porteiro. “Uns dois anos atrás, pediram para o meu marido limpar um apartamento e deram esses pratos para a gente. Não esperávamos que valessem tanto”, conta Bruna.
Fique por dentro
Importação na década de 1960
Ascenção
Os pratos âmbar da marca Duralex, popularmente conhecidos como marrons, eram dominantes nas casas, escolas e restaurantes brasileiros. Eles começaram a ser importados no Brasil entre as década de 1960 e 1970.
Um dos principais atrativos era a durabilidade do material e seu preço acessível quando comparado a outros, como vidro e porcelana.
Brasil
Nos anos 80, os pratos Duralex começaram a ser produzidos no Brasil pela Santa Marina, empresa nacional especializada em vidros.
Dados da época indicam que a empresa empregava cerca de 1.500 funcionários e produzia mais de 130 milhões de peças por ano, distribuídas não só no Brasil, mas em mercados ao redor do mundo.
Em 2011, a operação foi comprada pela empresa Nadir Figueiredo.
Queda
Mas as peças “marrons” duralex não resistiram ao tempo. Novos materiais, produtos chineses e também mudanças nos gostos estéticos fizeram as vendas caírem. No fim, em 2012, a linha âmbar foi descontinuada.
Resgate
O valor afetivo e a nostalgia estão tornando as peças Duralex como antiguidades colecionáveis. A retirada da linha do mercado também ajudou o produto a se tornar raro.
Na internet, os valores chegam até a R$ 38 mil. Um kit novo de seis pratos, por exemplo, está sendo vendido no Mercado Livre por R$ 2.349.
Fontes: Pesquisa AT.
Curiosidades
Origem francesa
Tudo começou na França, em 1945, quando a empresa La Chapelle-Saint-Mesmin, no sul do país, dominou a técnica de vidro temperado, considerada inovadora para a época.
Criada na década de 1930, essa técnica aquecia o vidro moldado a 600 graus Celsius e, em seguida, resfriava-o rapidamente.
Esse processo conferia o dobro de resistência em comparação ao vidro comum e fazia com que, ao quebrar, os fragmentos se partissem em pequenas lascas.
O vidro temperado da Duralex passou a ser usado em louças para famílias que não podiam adquirir porcelana após a 2ª Guerra Mundial.
O nome da marca vem da expressão latina dura lex, sed lex (a lei é dura, porém, é a lei). Aos poucos, os objetos da marca foram se tornando símbolo de durabilidade e preço acessível.
Análise: “Viver uma experiência que traz lembrança pode se tornar caro”

“A gente está vivendo um momento que é como se fosse um movimento contrário à modernização. Tudo está tão moderno, irreal e virtual que a gente começou a voltar ao passado: sair das telas, ir a parques, brincar na rua, valorizar casas com estética antiga.
Sempre que pensamos no passado, fazemos isso de duas formas: para rechaçar, dizendo “não quero aquele passado”, ou para buscar um refúgio. É uma regulação emocional. Pensamos de maneira saudosa e tentamos viver aquilo de novo.
O problema é que não dá para viver só no passado. Não é saudável. Então, o que fazemos é trazer objetos que demonstrem esse passado, como uma mesa posta, por exemplo.
Objetos como o Duralex trazem memórias de um tempo em que sentar à mesa para um café era um ritual. E quando algo tem valor emocional, acaba ganhando também valor econômico.
Por isso, viver uma experiência que traz lembrança pode se tornar caro – e é isso que faz peças como o Duralex voltarem com tanta força”.
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