Condomínio multa família em R$ 1 mil por causa de cachorro
Mãe alega que a cadela Maya atua como suporte terapêutico do filho autista e circula só entre o apartamento e a portaria do prédio

Um condomínio na Serra aplicou multa de R$ 1.075 a uma moradora por permitir que uma cadela golden retriever, que atua como suporte terapêutico do filho de 15 anos, circulasse de coleira pelo chão das áreas comuns no trajeto entre o apartamento e a portaria.
O adolescente, João Victor, é autista e deficiente intelectual. Segundo a mãe, a influenciadora digital Márcia Merlo, ele depende do animal para lidar com o isolamento social e manter o equilíbrio emocional.
Márcia explicou que a cadela Maya foi indicada em laudo médico como essencial no tratamento do filho, auxiliando na interação social e na estabilidade emocional. Mesmo com a apresentação do laudo, a administração do condomínio manteve a penalidade.
Após a notificação por infração, um novo laudo médico foi apresentado, mas o pedido foi novamente negado, e a multa confirmada pela administração.
“Nunca pedimos para João andar com Maya pelo condomínio. Tudo isso é apenas para que ele possa sair do apartamento, descer no elevador e ir até a portaria com ela (e o caminho de volta). Ele não fica com ela nas dependências internas do condomínio. É um percurso de no máximo 100 metros”, disse a mãe.
Pollyana Paraguassú, presidente da Associação dos Amigos dos Autistas (Amaes), ressalta que o cão de suporte emocional é como um cão-guia e representa, acima de tudo, acessibilidade.
“Existe uma dependência muito grande. Muitas vezes ele só se sente seguro em um local se estiver acompanhado do pet, e a pessoa precisa de acessibilidade. Muitas vezes, a acessibilidade está nesse vínculo afetivo de confiança que vai ajudar a sair de um surto, por exemplo. A acessibilidade não é só arquitetônica. Ela é ampla”.
Para o advogado Eduardo Sarlo, especialista em Direito Público, a multa parece ser indevida.
“A jurisprudência majoritária reconhece que condomínios não podem proibir o trânsito de animais de suporte emocional ou terapêutico, desde que comprovada a função terapêutica e adotadas medidas de segurança, como coleira, guia, controle pelo tutor, entre outras. Multas aplicadas nessas circunstâncias podem ser anuladas judicialmente, com indenização por dano moral à família”.
“A Maya é fundamental para meu filho”
A Tribuna — Quando a Maya entrou na vida do João?
Márcia Merlo — Então, a Maya entrou na vida do João a partir da adolescência, quando ele sofreu um isolamento social severo, uma reclusão severa.
Como foi essa fase e como ele ficou?
Ele só ficava no quarto, não conversava, não queria ir para a escola, e a Maya chegou nesse momento pra trazer uma qualidade de vida para ele, um equilíbrio emocional e mental.
Qual é a importância dela nesse processo?
Ela é essencial para o desenvolvimento e para o equilíbrio mental dele, para trazer dignidade a ele, no suporte da companhia, no suporte emocional.
Como funciona o trabalho de suporte com a Maya?
A gente desenvolve, junto com ele e com a Maya, trabalhos de coordenação motora, noção de higiene, noção de espaço, de comandos, entre outros.
Então ela tem uma função mais terapêutica mesmo?
Sim, ela entra na vida dele totalmente com uma função terapêutica mesmo. É para ela que ele recorre quando está nervoso ou quando vai entrar em uma crise.
Ele geralmente deita no chão, ela deita do lado dele e ele fala pra ela: “Maya, eu estou um pouco nervoso”. Eles ficam deitados, quietinhos ali, até que ele se acalme e levante.
Dá para dizer que ela é fundamental para ele?
Ela é essa peça fundamental para qualidade de vida e equilíbrio dele. Esse contato com ela, esse suporte, dá confiança para fazer coisas básicas.
O outro lado
Decisão é baseada em normas internas
Em nota, o Condomínio Villaggio Limoeiro disse que todas as ações são pautadas na Convenção e Regimento Interno, documento aprovado em Assembleia Geral de Condôminos que, em um dos artigos, segundo o condomínio, determina que animais domésticos devem ser transportados no colo ou em carrinhos apropriados ao circular pelas áreas comuns, e que cães de médio e grande porte devem utilizar focinheira.
“No caso em questão, foi constatado que uma unidade desrespeitou reiteradamente esta norma. Seguindo o procedimento padrão, a administração emitiu uma notificação educativa. Após a análise do recurso, e a persistência da infração, foi aplicada a multa prevista”.
A nota diz ainda que é fundamental distinguir o cão “de assistência/serviço” e “de suporte emocional”. “Atualmente, não existe legislação federal específica que conceda ao cão de suporte emocional os mesmos direitos de livre circulação irrestrita garantidos ao cão de assistência/serviço”.
De acordo com a nota, a ausência de uma lei superior que discipline o tema faz com que prevaleçam as normas do condomínio, desde que não firam direitos garantidos pela Constituição.
“O Condomínio Villaggio Limoeiro está em total conformidade com seu Regimento Interno e com o ordenamento jurídico vigente. A ação não representa um ato de discriminação ou violência, mas a legítima aplicação de suas normas internas, que se aplicam indistintamente a todos os moradores”.
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