As histórias de quem vive a maternidade por trás das grades
Todas afirmam ter se arrependido de seus crimes e sabem que precisam pagar por eles. Mas, no Dia das Mães, importa apenas a saudade
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O que poderia ser apenas um espaço vazio e frio, acabou se tornando um local de acolhimento e criação de vínculo entre mães com restrição de liberdade e seus filhos, na Penitenciária Feminina de Cariacica, que fica em Bubu.
Esse processo de humanização existe por conta de um projeto da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), que tem o objetivo de diminuir o impacto do ambiente prisional para esses bebês, que, segundo a lei, devem ficar com suas mães até completarem 6 meses de vida.
Pinturas nas paredes de animais e balões, berços, camas com proteção, brinquedoteca e salas de amamentação. Não fossem as grades, seria quase possível esquecer que o local é uma penitenciária.
Segundo Graciele Sonegheti, diretora da unidade, o máximo já registrado no presídio foram oito nenéns, mas o espaço comporta 11. Atualmente, quatro mulheres estão nesta galeria, com quatro bebês, sendo um de cada.
Além deste espaço, o presídio também conta com um parquinho e uma quadra, no local onde as visitas são feitas. Lá, as mesas de ferro contrastam com as cores dos escorregas, cavalinhos e amarelinhas. A diretora explicou que esta foi uma forma que o Estado encontrou de aproximar as mães de seus filhos.
Ao Tribuna Online, uma das internas Filaybe da Silva Moura, 32, contou que todos os dias são difíceis, mas o Dia das Mães costuma ser pior. Isso porque ela tem quatro filhos, mas todos já tem mais de 2 anos.
A técnica em Enfermagem afirma que se arrepende dos crimes que cometeu e que sente saudade todos os dias, mas ainda falta cumprir 8 anos de prisão.
“Minhas filhas sofrem muito, ficam perguntando que dia eu vou embora e eu não tenho o que falar. É muito difícil estar aqui dentro e sua filha pedindo para você ir, mas quando acaba a visita é só choro e despedida”, lamentou a presa.
De acordo com ela, o ambiente alivia um pouco essa tristeza das visitas que recebe de sua família. Graciele ainda levou as filhas de Filane para a inauguração. "Foi a melhor coisa que a diretora fez aqui no presídio. No dia, foi uma surpresa muito grande pra mim. Elas não sabiam o que fazer, ficavam me chamando para descer no escorrega e eu tinha que ficar falando que eu não cabia (risos)", contou.
Outro projeto da unidade é o ensaio conhecido como Newborn,
que costuma ser realizado nos primeiros dias de vida do recém-nascido. Para
a diretora da unidade, esta é uma oportunidade de criar uma primeira memória positiva para
essas crianças.
“Elas não têm culpa dos crimes cometidos pelas mães e têm direito a uma recordação boa dessa fase, diferente do que estamos acostumadas a ver em uma unidade prisional. Então, a ideia é deixar as fotos em um CD para quando eles forem adultos, consigam ter uma lembrança boa de quando precisaram morar em um presídio”, afirmou Sonegheti.
Responsável por executar o projeto, que já existe há quatro
anos, a fotógrafa Luana Andrioli afirmou que o projeto a transforma a cada sessão de fotos.
"Me sinto muito feliz por fazer parte. Sinto que recebo sempre uma recarga de coisas boas, com novos aprendizados e experiências que agregam muito ao meu trabalho fora de lá. O amor é perceptível em cada gesto, em cada palavra, em cada olhar quando nos unimos pra fazer o bem", relatou.
De acordo com a profissional, a gratidão das internas é tanta que compensa todo o trabalho. "Além de receber amor de volta eu não imaginava que um trabalho voluntário me faria tão bem, que me ensinaria tanto. Fazer o bem, realmente vale a pena.
"Foco é capacitação profissional"
Atualmente, o Espírito Santo conta com 975 mulheres presas nas unidades de Cariacica, Cachoeiro de Itapemirim e Colatina. Desse total, 528 foram condenadas por tráfico de drogas ou associação para o tráfico, 140 por homicídio e 74 por roubo ou furto.
Segundo a diretora Graciele, o foco da unidade de Cariacica é a capacitação profissional, escolarização e trabalho. “Hoje, nós temos quase 50% das presas trabalhando, temos empresa aqui dentro, que é a Pimpolho, e a cozinha também é aqui dentro, onde elas trabalham, têm remissão de pena e salário”, explicou.
Além do trabalho, as internas também podem se profissionalizar através de cursos, por exemplo, de manicure, beleza, auxiliar administrativo, cuidador de idosos. “Aqui, a gente tenta oferecer cursos que elas possam, quando sair, abrir o próprio negócio ou ter uma oportunidade de trabalho mais fácil”, disse Graciele.
Já para as presas que decidirem completar os estudos, a
Penitenciária Feminina de Cariacica ainda oferece o processo de escolarização
através da Educação de Jovens e Adultos (EJA), para que elas possam finalizar o
ensino fundamental e o médio.
“A maioria delas chega com o ensino fundamental incompleto,
então, elas acabam se capacitando aqui, não só em relação ao trabalho, mas se
elas conseguem concluir o Ensino Médio, a chance de ela sair e conseguir,
talvez, fazer uma faculdade ou começar um emprego é muito maior”, completou a
gestora.
De acordo com Graciele, isso é necessário porque além da condenação, quando saírem do presídio, as internas vão ficar marcadas como egressas.
“Se a situação estava ruim antes, quando elas saírem vai ficar muito pior. Então, se eu
capacito e tiro essa diferença com a sociedade, com o ensino médio completo,
curso de capacitação com certificado e ainda trabalhou aqui e tem uma poupança
financeira, a probabilidade de ela abrir o próprio negócio já aumenta muito”,
finalizou.
A diretora ainda completou: “A maioria delas foi pega por tráfico de drogas e, normalmente, está vinculada a questão dos parceiros. Às vezes eles estão presos e não querem sair da vida do crime e elas voltam para aquele ciclo e não conseguem sair porque dependem deles financeiramente. Então, se você consegue permitir essa possibilidade, elas vão optar se elas querem ou não permanecer com esses parceiros e sair do crime”, finalizou.
Vídeo
Produção, roteirização, entrevistas: Amanda Drumond
Edição e produção: Aquiles Brum
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