“Apesar das vitórias, há um caminho longo pela frente”, avalia delegada
Delegada fala sobre a importância da Lei Maria da Penha, que completa 17 anos e é apontada como uma das melhores do mundo
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Agosto é o mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher, o Agosto Lilás. Neste ano, a campanha está ainda mais especial, pois na última semana a Lei Maria da Penha completou 17 anos.
Nesses anos houve muitas conquistas na luta de enfrentamento à violência contra a mulher. A mais recente, por exemplo, foi a derrubada da tese de “legítima defesa da honra” em casos de feminicídio pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Mas, apesar das vitórias significativas, há um caminho longo pela frente”. É o que destaca a delegada titular da Gerência de Proteção à mulher no Estado, Michelle Meira Costa.
Ela, que é pós-graduanda em Violência Doméstica, já atuou no Plantão Especializado da Mulher e na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Cariacica, destaca que a Lei Maria da Penha é uma das melhores no mundo em relação à proteção dos direitos das mulheres, mas precisa ser colocada em prática de forma plena.
A Tribuna -São 17 anos de Lei Maria da Penha. Quais as principais vitórias até agora?
Michelle Meira – A edição da Lei Maria da Penha fez com que a problemática da violência contra as mulheres saísse da banalização e da invisibilidade. Deixando de ser uma questão a ser tratada na esfera particular, passando a ser um problema a ser enfrentado pelo poder público.
De forma inquestionável, essa quebra de paradigma foi um importante avanço, obrigou os poderes constituídos a elaborarem políticas públicas para lidar com a problemática e pensar em estratégias para mudar a cultura da violência contra as mulheres.
O que ainda falta?
Falta a lei ser completamente efetivada e todas as ações implementadas, por exemplo, o funcionamento em rede. A Lei Maria da Penha é considerada uma das mais avançadas no combate à violência doméstica no mundo.
Ela traz uma didática única: violência contra a mulher é crime! Homens que resolvem seus conflitos com violência terão que ressignificar seus atos, sua forma de pensar e, principalmente, mudar a cultura machista.
O STF derrubou a alegação de “legítima defesa da honra”. Como e quando surgiu esse argumento?
Esse conceito não está presente na nossa legislação. O que temos hoje, já há muito tempo, é o Código Penal, que traz o conceito de legítima defesa, que é você usar ali dos meios moderados que estão à sua disposição para repelir injusta agressão, que tem de ser atual e iminente.
Esse conceito de legítima defesa da honra foi criado não pela legislação, mas em tese jurídicas. Não se encontra em nenhum artigo do nosso Código esse fenômeno.
Porém, acredito que certamente esses são resquícios de uma ordenação jurídica ultrapassada. Entre 1603 a 1830, tínhamos no Brasil as Ordenações Filipinas, que era o que regia a legislação na época. E nessas ordenações, trazia a possibilidade do homem, inclusive, matar a mulher se ela fosse pega em caso de adultério.
O pior é que, se essa alegação era utilizada, é porque ela encontrava guarida nos nossos tribunais. Pelo menos aqui no Estado, a nível de delegacia, não era uma matéria tão utilizada. Essa decisão do Supremo está totalmente de encontro com nossas ordenações.
O que você acha dessa evolução na proteção dos direitos das mulheres?
Acredito que, dia após dia, ao longo do tempo, as mulheres vêm conseguindo, cada vez mais, colocar os seus direitos e serem tratadas realmente como um ser humano, não como objeto.
A Lei Maria da Penha é considerada uma das melhores legislações do mundo em relação ao tema. Só que, infelizmente, quando a gente está aqui, falando sobre uma decisão de uma alta corte de um país que não está permitindo mais essa tese, isso também nos preocupa.
Essa decisão tem esse dois lados. Não é uma decisão tão diferenciadora, porque é um absurdo nos dias de hoje, no tempo, no século 21, alguém alegar que existe uma defesa da honra para tirar a vida de uma mulher.
Mas também me preocupa porque é um resquício de uma sociedade totalmente machista. Esse tipo de argumento vem de ordenamentos jurídicos de antes do Império. Estamos falando de 1600, estamos em 2023.
Então, ainda temos um longo caminho a percorrer na luta pelos direitos das mulheres. O Espírito Santo ainda é violento com suas mulheres, assim como o Brasil. No entanto, estamos trabalhando bastante na redução do feminicídio.
O que queremos mesmo é mudar essa cultura. Trabalhar com a repressão, mas também com a prevenção e, cada vez mais, levar às mulheres orientações para que elas identifiquem que estão em um relacionamento abusivo. Quero ver, cada vez mais, as mulheres procurando a segurança pública para denunciar.
Quem é
Michelle Meira Costa
-Graduada em Direito.
-Pós-Graduada em Direito Penal e Processo Penal, pós-graduada em Gestão e Política Pública e pós-graduanda em Violência Doméstica.
-Gerente de Proteção à Mulher da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).
-Já atuou no Plantão Especializado da Mulher, na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Cariacica e na Delegacia de Crimes contra a Administração Pública.
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