“Adolescentes precisam de espaços saudáveis”, afirma professor de psicologia
Professor afirma que locais para construção de modos não violentos são essenciais, além do apoio da família, escola e até do poder público
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Em apenas uma semana, dois casos de adolescentes que mataram os pais chocaram o País pela brutalidade e frieza das ações dos menores.
Um dos adolescentes matou os pais e a irmã a tiros, em São Paulo, no último dia 17, usando a arma do pai, que era guarda civil municipal. O motivo, segundo ele alegou à polícia, foi ter o celular retirado de sua posse pelos pais.
No Rio de Janeiro, um outro adolescente matou os pais a marteladas e ateou fogo no quarto onde dormiam, na última sexta-feira, por ter sido impedido de faltar a aula para treinar.
Os crimes levantam uma discussão: os adolescentes estão mais violentos?
O professor Fábio Bispo, do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), explica a importância de não associar a violência imediatamente à adolescência ou a alguma condição específica.
A Tribuna- Os adolescentes estão mais violentos?
Fábio Bispo- Diria que é a produção social de violência, principalmente nos centros urbanos e nas grandes cidades, que tornam mais frequentes as respostas violentas dos adolescentes.
Há sempre o risco de criação de estereótipos de sujeitos perigosos, que podem ficar mais colados em alguns jovens ou a situações de saúde mental que não representam em si mesmas um maior risco de violência.
Quais as possíveis causas para esses episódios de violência contra os pais?
Embora sempre ganhe mais destaque e cause maior comoção quando a violência se dirige contra o pai ou a mãe, penso que os fatos determinantes são semelhantes àqueles que se aplicam ao aumento do feminicídio e à violência contra a mulher, por exemplo.
Quanto mais a violência se naturaliza no laço social, seja pelo machismo, que naturaliza a violência contra a mulher, ou pelo racismo, que naturaliza a violência contra jovens negros e pobres, mais também temos uma naturalização da violência que se transmite para os adolescentes.
A adolescência é uma fase mais “complexa”?
A adolescência é uma fase de transição em que os filhos se distanciam mais da autoridade dos pais em busca de autonomia e liberdade. As instituições sociais, como família, escola e comunidade, são mediadoras nesse processo, oferecendo modos não violentos de resolução de conflitos. No entanto, quando a violência se reproduz também na escola e nesses outros espaços, há maior chance de que a agressividade se volte contra os próprios familiares.
Falta limite aos jovens?
Não diria que são limites que faltam. Faltam espaços de construção de modos não violentos de resolver os conflitos. Às vezes, os limites são até interpostos com violência e rigor excessivo e, nesse caso, também tendem a ser respondidos com violência.
Em quais aspectos os pais estão falhando na educação? Há mais permissividade?
Também não situaria propriamente nos pais a responsabilidade pelo fracasso dos laços de convivência. Eu diria que à medida em que em nosso contexto urbano a vida se acelera, há acúmulo de trabalho, excesso de tecnologia, os espaços de convivência com os filhos são restringidos. A perda desse contato pode, sim, ser um espaço para um aumento da violência.
Quais sinais que os filhos demonstram de que podem tornar-se violentos?
Penso que é importante estar atento a possíveis situações de sofrimento psíquico pelos quais os filhos possam vir a passar. Mudanças bruscas de humor, seja para isolamento mais depressivo ou para atitudes repentinamente agressivas, podem ser sinal de que algo não vai bem. Conflitos na escola ou na rua, experiências no mundo virtual são situações que podem ocasionar problemas e que, se não foram assistidos, podem se prolongar.
Cabe quebrar a privacidade do adolescente para que se possa buscar as razões de um possível comportamento agressivo?
A invasão de privacidade é sempre uma experiência perigosa, porque, quando descoberta, ela pode criar mais conflito e violência. O ideal é que uma relação de supervisão do adulto seja algo combinado com antecipação. É importante não abrir mão de acompanhar o cotidiano dos adolescentes até onde for possível. Qualquer medida que vá contra a construção de uma autonomia precisa ser sempre a última opção.
Como as famílias podem reduzir conflitos?
Do ponto de vista social, penso que precisamos não banalizar a violência. É essencial apostar em espaços públicos de conversa e de convivência, que permitam oferecer aos adolescentes espaços saudáveis para viver seus conflitos e rivalidades – como esportes, lazer, arte, música, estudos. Essas experiências podem qualificar a experiência das próprias famílias na convivência com os filhos.
Ser amigo dos filhos pode ajudar a reverter conflitos?
Ser amigo pode ser um dos modos de falar da construção desses laços de confiança em família. Mas o mais importante é que haja espaços de conversa, de diálogo, principalmente em relação aos temas que mais despertam angústia nos adolescentes, como a sexualidade, as relações de amizade e os modos de experimentação da vida.
É importante também que os pais tenham suporte de outros pontos de mediação, como a escola, a família estendida, o poder público em situações de maior vulnerabilidade.
Quem é
Fábio Bispo
Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
É autor do livro “Morte Violenta: Modalidades de apresentação no laço social”. O livro é resultado de uma pesquisa de doutorado que buscou compreender como a morte violenta se apresenta na relação do sujeito com o laço social, considerando-se as dimensões imaginária, simbólica e real por meio das quais Lacan aborda a experiência freudiana.
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