84% dos médicos já foram xingados e agredidos no local de trabalho
Pesquisa aponta que na maioria das vezes essa violência ocorre em pronto atendimento e nas unidades básicas de saúde
“Parei de dar plantão por medo de agressões”. O relato de uma médica expõe uma realidade vivida pelos profissionais: 84% disseram já ter sofrido algum tipo de violência no ambiente de trabalho, como xingamentos e agressões físicas.
O dado e o relato da médica fazem parte da Pesquisa sobre Violência no Ambiente de Trabalho Médico, divulgada ontem pelo Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES).
O presidente do Conselho, Fernando Tonelli, explicou que foram ouvidos 333 profissionais por meio de um questionário enviado aos médicos. Do total ouvido, a maioria era mulher (67%) e formados há menos de cinco anos (53%).
“Os resultados apontam que 84% dos profissionais já sofreram algum tipo de violência. Na maior parte das vezes essa violência ocorre nas unidades de pronto atendimento e nas unidades básicas de saúde, ou seja, na atenção primária”.
Entre os resultados, a pesquisa ainda aponta que os tipos de violência mais frequentes são a verbal, a moral e a psicológica. “Isso demonstra que precisamos melhorar a questão da segurança nesses ambientes de trabalho. O profissional precisa se sentir seguro para trabalhar e prestar o melhor atendimento para o paciente”.
Ele pontuou que uma série de relatos deixados por médicos ao final dos questionários revelam que, por medo, muitos profissionais acabam desistindo de trabalhar em alguns locais e até pensando em desistir da profissão. “Quem perde com isso é a população”.
Relatos apontam, ainda, que os casos de agressões incluem quebra de consultórios e a necessidade de acionamento policial.
Tonelli ressaltou, ainda, que os resultados encontrados na pesquisa levaram o CRM-ES a pensar em um plano de ação imediato, com aumento do trabalho de fiscalização e de articulação com o Ministério Público, gestores públicos e parlamentares.
“Queremos que seja debatida a questão do botão do pânico em unidades, além da necessidade de segurança pessoal também em locais de atendimento. Hoje, o que há nesses locais é a segurança patrimonial. Também observamos que a questão da estrutura dos serviços precisa ser melhorada”.
Outra ação, segundo ele, é interditar, eticamente, unidades onde essas agressões ocorram com mais frequência.
Você sabia?
Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) revela que, em média, 12 médicos foram vítimas por dia de algum tipo de violência em uma unidade de saúde no Brasil em 2024. Em todo o País, foram 4.562 boletins de ocorrência registrados.
“Ele gritava e batia na minha mesa”, diz médica
A tentativa de furar a fila de atendimento terminou em gritos, intimidação e medo. A médica Maria Júlia Roseira Bessa Ferraz relatou que foi “encurralada” no consultório por um vereador e acompanhantes, em agosto deste ano.
A Tribuna Como tudo começou naquela noite?
Maria Júlia Roseira Eu estava atendendo na UPA de Guarapari, quando um vereador chegou tentando passar uma paciente conhecida dele na frente dos outros atendimentos. Ela tinha dado entrada havia menos de uma hora e meia, já estava medicada, sem dor, e aguardava resultados de exames de sangue. Expliquei que não havia como adiantar, porque existem critérios técnicos e um fluxo que precisa ser respeitado.
Ele entrou no consultório?
Sim. Eu estava com a enfermeira e ele entrou acompanhado de seis pessoas. Eles me encurralaram. A todo momento a pressão era para que eu colocasse a paciente na frente dos demais. Tentei explicar como funcionava o atendimento, quais exames ainda precisavam sair, mas ele não se acalmou. Começou a gritar, bater na mesa, me deu voz de prisão, dizia coisas como “pequenininha”, se levantava da cadeira para tentar me intimidar fisicamente, mostrando que era maior do que eu. Foi um caos.
Teve medo de ser agredida fisicamente? Como saiu?
Sim. Quando ele batia na mesa, eu pensava: ainda bem que existe essa mesa entre nós. Quando o Samu chegou, eles abriram caminho e eu aproveitei para sair. A polícia foi acionada e, depois de colher os depoimentos, retirou ele do local.
E depois disso, como foi continuar o plantão?
Isso aconteceu por volta das 9h da noite. Meu plantão só terminava às 7 da manhã. Passei a noite inteira com medo de ele voltar. Fiquei o tempo todo perto da enfermagem. O segurança, que na verdade era o maqueiro, ficou do meu lado com um pedaço de pau, dizendo que ninguém chegaria perto de mim. Suturei um paciente chorando.
Qual foi o impacto desse episódio na sua rotina?
Suspendi meus plantões na UPA. Trabalhava principalmente aos fins de semana. Fazia por compromisso com a população. Mas depois do que aconteceu, percebi que não dava mais para me expor dessa forma.
Saiba mais
Pesquisa
O Conselho Regional de Medicina (CRM-ES) divulgou ontem resultados da Pesquisa sobre Violência no Ambiente de Trabalho Médico.
O levantamento foi feito por meio de questionário enviado aos médicos.
Perfil dos entrevistados
333 profissionais médicos responderam à pesquisa. Isso representa 2,06% dos médicos que atuam no Espírito Santo – do total de 16.164 profissionais.
67% são mulheres.
53% são médicos com menos de 5 anos de formados.
43% têm até 30 anos de idade.
Resultados
Agressões no ambiente de trabalho durante a carreira
Sim 83,8% Não 16,2%
Frequência da violência no último ano
Frequência - %
Esporadicamente (2 a 5 vezes) - 46,2%
Frequentemente (mais de 5 vezes) - 18,3%
Uma única vez - 14,3%
Constantemente (situações semanais ou diárias) - 11,1%
Não sofri no último ano - 10%
Tipos de violência sofrida
Tipo - %
Violência verbal - 87,1%
Violência moral/psicológica - 80,6%
Violência física - 11,1%
Violência sexual (comentários e assédio) - 9,7%
Discriminação - 14,3%
Dano ao patrimônio - 15,1%
Cyberbullying (agressões, ameaças pela internet) -10,8%
Agressor
Tipo - %
Paciente - 73,5%
Familiar ou acompanhante - 67,7%
Colega de trabalho (médico) - 9,3%
Superior hierárquico - 19%
Outro profissional da equipe - 10,4%
Agente público (vereador e outros) - 15,4%
Queixa ou registro formal
Não 62% Sim 38%
Dano psicológico
Impacto %
Com impacto moderado - 41,5%
Com grande impacto - 31,1%
Com baixo impacto - 18,9%
Não houve impacto - 7,5%
Algumas medidas
Apresentar a parlamentares proposta de projeto que obrigue unidades a contar com segurança pessoal.
Adotar medidas, como instalação de botão do pânico.
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