152 mil jovens não estudam e nem trabalham, diz pesquisa
Mercado de trabalho competitivo e baixa qualidade da educação estão entre os motivos apontados por especialistas
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Em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, em que a qualificação é imprescindível, um dado preocupa: 152 mil jovens no Estado, entre 15 e 29 anos, não estudam e não estão empregados.
No Estado, existem 887 mil jovens nessa faixa etária. Considerando o percentual de 17,1%, cerca de 152 mil fazem parte da chamada geração “nem-nem”: nem estuda nem trabalha.
Os números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) – Educação 2022, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Kátia Vasconcelos, professora e pesquisadora da área de gestão de pessoas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), salienta que o tema é extremamente complexo e não dá para dizer simplesmente que é questão geracional porque os jovens não querem compromisso ou não estão motivados.
Ela diz que os estudos têm demonstrado que, por exemplo, as sucessivas e intensas mudanças no mercado de trabalho estão entre os fatores que influenciam isso porque existem cada vez mais pessoas especializadas e disponíveis para serem contratadas.
“Ter um mercado de trabalho que exige cada vez mais formação e aprimoramento de alto nível vai restringir o acesso das pessoas que têm baixo nível de escolaridade ou não prosseguiram com os estudos”.
Edebrande Cavalieri, especialista em sistemas educacionais, classifica como muito preocupante a situação da juventude brasileira.
“O fator desigualdade de renda é determinante, contudo é preciso considerar raça e gênero. Trata-se de uma geração que não tem acesso a mais anos de estudo e nem tem acesso à capacitação profissional”.
Em declarações à imprensa, a presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz, reforçou que não são pessoas que “passam o dia olhando para o teto, mexendo em redes sociais”.
Segundo ela, esses jovens se tornam invisíveis, pois estão fazendo atividades domésticas, cuidando dos irmãos para que a mãe possa trabalhar ou desempenhando funções sem registro na carteira de trabalho. Não é só isso. Ela ainda elencou outros dois motivos: evasão escolar e gravidez precoce.
Saiba mais
No País
Dos jovens entre 18 e 24 anos, 24,4% não estudam nem trabalham.
No Estado
Os dados revelam que cerca de 152 mil jovens (17,1%) entre 15 e 29 anos não frequentam escola, técnico e estão fora do mercado de trabalho.
Alguns motivos
Quando questionados sobre o principal motivo de terem abandonado ou nunca frequentado a escola, esses jovens citaram a necessidade de trabalhar como fator prioritário, apesar de que nem sempre conseguem emprego.
A gravidez e a necessidade de realizar tarefas domésticas ou cuidar de outras pessoas foram razões que também apareceram com frequência entre as mulheres.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam outros fatores, como baixa qualidade da educação e sucessivas mudanças no mercado de trabalho.
Depoimentos
“Preocupante”
“A situação é preocupante e mostra um problema muito mais grave, que é o currículo escolar, que desanima os jovens. São metodologias antiquadas.
O currículo, até o médio, está voltado para o ensino superior, que é uma porcentagem mínima que faz. Então, os jovens veem a escola como um ser alienígena que está ensinando coisas que não são práticas e não melhoram a vida deles”.
“Fatores complexos”
“Esse aumento no número de jovens que nem estudam e não trabalham pode ser atribuído a uma combinação de fatores.
Falta de empregos e de oportunidade de crescimento pode desencorajá-los a buscar um trabalho. Outro fator é a baixa qualidade da educação, que faz com que muitos não se sintam motivados a estudar, além da desigualdade socioeconômica”.
“Capacitação”
“A leitura que a gente deve fazer da geração 'nem-nem' de uma classe social menos abastada ou empobrecida é realmente a falta de oportunidade e o e o não acesso à educação e ao estímulo a uma educação que projete para o futuro.
Os 'nem-nem' vêm também da baixa autoestima provocada pelo abandono da família e é causado ainda pelo superprotecionismo dos pais da classe média”.
“É preciso deixar o filho menos frágil para o futuro”
Qual o papel dos pais neste contexto de jovens sem trabalhar e estudar? Eles devem incentivar os filhos a estudarem ou deixá-los manifestar as suas vontades?
O escritor e mentor de carreira Sidnei Oliveira faz um alerta ao que ele chama de dimensão das consequências e causas.
A Tribuna – Qual o papel dos pais, como eles devem agir com filhos que não querem estudar?
Sidnei Oliveira – Incentivar filhos a estudarem não é mais uma regra, isso era o que acontecia no passado. Estudar parece que é uma dimensão para qualquer indivíduo hoje. Talvez o papel dos pais é trazer um pouco de realidade para os filhos, dando a eles uma dimensão das consequências e causas.
- Como assim?
Sabe aquele movimento de o filho arrumar o próprio quarto, arrumar a cama? Existe um conceito que diz que os filhos precisam ter responsabilidades e consequências desde a sua primeira infância. Não quer dizer ser cruel, mas eles precisam entender, por exemplo, que aquele quarto não é dele, ele tem o usufruto do quarto que é cedido pelos pais. Os pais são donos do quarto e determinam a regra.
- Faltam regras, então?
Essa relação está meio torta. Porque o filho acha que é o dono do quarto e ele tem o direito de manter do jeito que ele acha que deve manter. Mas se não está dando certo, o pai tem de prover.
Você percebe que é o discurso meio rebelde. O que os pais têm de fazer é, desde o início, mostrar a dimensão de consequência e causa. Fez uma escolha? Tem uma renúncia. Fez alguma coisa que não foi adequada? Tem consequência.
- Esse exemplo se aplica nos estudos?
Podemos dizer que os filhos estão se intoxicando com a virtualidade, com a ilusão pelas redes sociais, pelo celular que os próprios pais dão e não percebem.
Começamos a ver que é uma oportunidade de reverter um esse quadro. É preciso deixar o filho menos frágil para o futuro. À medida que vai avançando a idade, vai haver contrapartidas maiores.
Agora, se o jovem vive em uma casa onde tudo o que ele quer acontece, ele não tem contrapartida para dar, vai ficar frágil e quando ele entrar no mercado de trabalho, não vai estar pronto para dar contrapartida alguma.
Exemplo positivo
Estudos com foco no futuro da carreira
Com foco nos estudos, os jovens Harian Adami Chagas Radaelli, 18 anos, Murilo Coser Rocha e Maria Eduarda Pinheiro Castiglioni, ambos com 16 anos, não fazem parte dessa estatística.
Para eles, que estudam no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), o lema é estudar e, no futuro, ingressar no mercado de trabalho.
Harian e Murilo fazem curso técnico de Informática para Internet, integrado ao ensino médio. Já Maria Eduarda cursa Mecânica.
“Meus pais sempre me incentivaram e criei gosto para o estudo desde novo. Com o curso técnico, me encontrei e decidi seguir profissionalmente, trabalhando com análise de dados, informática ou Ciências da Computação”, disse Harian.
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