Pauta LGBTQIA+ avança no STF, mas é preciso criar políticas para população
Comunidade reafirma a necessidade de exigir efetivação e reconhecimento de outras garantias legais
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Nas últimas décadas, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem dado decisões que aumentam a proteção jurídica de pessoas LGBTQIA+. Desde de 2011, quando a corte reconheceu a legalidade da união estável entre casais homoafetivos, outros julgamentos vêm se somando à jurisprudência da corte, como a criminalização da homotransfobia e o fim das restrições à doação de sangue.
Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que as decisões acontecem em virtude de inércia do Legislativo em pautar esses temas. Na outra ponta, parte da comunidade comemora os avanços, mas reafirma a necessidade de exigir efetivação e reconhecimento de outras garantias legais.
Amanda Souto Baliza, advogada e presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), afirma que, ao não legislar a partir da previsão constitucional do combate à discriminação, o Congresso Nacional abre espaço para a atuação do Judiciário.
"O Legislativo brasileiro, historicamente, tem uma dificuldade muito grande em debater temas que são vistos como polêmicos na sociedade. Esses temas deixam de ser debatidos em uma omissão proposital, que acaba sendo suprida por decisões judiciais", afirma.
Para o advogado e professor de direito na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Renan Quinalha, a atuação do Supremo nesses casos encontra respaldo na Constituição. Segundo ele, as decisões da corte sobre o tema são bem fundamentadas.
"O princípio da igualdade e da não discriminação abrange a população LGBTQIAP+. O artigo 3º, por exemplo, fala em 'sexo' como uma categoria ampla do texto constitucional para abranger orientação sexual e identidade de gênero. O STF já fez leituras específicas e aplicações desse dispositivo para justamente assegurar uma igualdade entre todas as pessoas", diz.
Por outro lado, as decisões corte têm sido classificado por críticos como exemplos de ativismo ou de avanço do Judiciário em atividade que competem ao Legislativo. Quinalha diz que essa posição tem "lastro na realidade", mas afirma se tratar de um contexto mais amplo.
"Eu acho que isso acaba colocando em xeque algumas decisões do Supremo na visão de uma parte da sociedade. Mas eu acho importante esclarecer que o Supremo Tribunal Federal não faz nada além do que sua atribuição constitucional", afirma.
Pedro Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), diz não ser contraditório que o avanço dessa pauta ocorra de maneira independente da opinião majoritária da sociedade que, em tese, o Congresso representaria.
"O nosso sistema de democracia constitucional pressupõe que o Judiciário é o guardião dos direitos e da Constituição. Não é nada incomum ele oferecer decisões em defesa dos direitos, independentemente do ponto de vista da maioria. A defesa dos direitos não pode depender de decisões majoritárias, indo contra elas, se necessário", afirma.
Os julgamentos sobre direitos dessa população abarcam um número grande de temas, como o reconhecimento da união estável, a descriminalização da homossexualidade nas Forças Armadas, a criminalização da homofobia e o direito de pessoas trans à alteração do registro civil.
Amanda afirma que a declaração desses direitos por decisões judiciais é um passo importante, mas não encerra a busca por proteção jurídica.
"A gente tem que ter o reconhecimento, mas também tem que ter a efetivação desse direito. [O reconhecimento] é um ponto de partida para a criação de mecanismos na sociedade que vão garantir aquele direito", diz.
Um exemplo, segundo a advogada, foi o julgamento que garantiu o direito de casais homoafetivos à união estável, em 2011. O casamento civil, por sua vez, viria dois anos mais tarde, em 2013, após a resolução 175 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O bombeiro Erikson Russo Matias, 46, conta que ele e seu marido, Cesar Matias de Carvalho, 42, optaram por não firmar união estável após a decisão. Juntos desde 2008, o casal ficava incomodado com a discriminação na diferença de regimes jurídicos possíveis para formalizar o relacionamento.
"A gente achava que a união estável era como se fosse um favor. As pessoas em relações heteroafetivas podiam casar, e as relações homoafetivas só podiam ter direito à união estável. Não concordamos com isso e só nos casamos em 2014, quando o casamento foi liberado", afirma.
Recentemente, a jornalista Adriana Catarina Ramos de Oliveira, 61, foi presa após proferir ofensas homofóbicas em um shopping na capital paulista. Dias depois, ela foi novamente conduzida à delegacia por ofender vizinhos com xingamentos preconceituosos. O analista de comunicação Gustavo Leão foi uma das três vítimas do segundo episódio. Para ele, os avanços devem ser comemorados, mas não são o suficiente.
"Uma agressora que já havia sido presa por homofobia reincide dois dias depois e é liberada novamente. Isso gera insegurança. O que está bom são os termos de respaldo legal. E o que precisa melhorar é a agilidade e firmeza na resposta do sistema de Justiça, a orientação e ação correta por parte da PM, além do acolhimento real às vítimas de LGBTfobia", afirma.
Quinalha também afirma a importância de garantir a efetividade dessas decisões. Para ele, as declarações de legalidade e constitucionalidade são importantes, mas não encerram a busca pelo amparo da comunidade.
"As decisões do STF não instauram políticas públicas. Elas no máximo reconhecem um direito. A gente precisa de políticas de saúde, de renda, de educação, de trabalho, de assistência social e de várias outras frentes para a população LGBTQIAP+ para além de uma decisão do Supremo dizendo se é legal ou não legal, constitucional ou não constitucional", afirma.
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