Mais de cem botos morrem em lago superaquecido no Amazonas
Equipes ainda reúnem carcaças dos animais, e pode haver uma quantidade maior de mortes desses golfinhos de água doce
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Num cenário de agravamento da seca em diferentes pontos da Amazônia, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá constatou a morte de 110 botos e tucuxis no lago Tefé, nas imediações do porto da cidade de Tefé (AM), que fica na região do médio rio Solimões.
A identificação ocorreu num período de uma semana, do último sábado (23) até esta sexta-feira (29).
Equipes do instituto ainda reúnem carcaças dos animais, e pode haver uma quantidade maior de mortes desses golfinhos de água doce.
Entre os animais mortos há machos, fêmeas, filhotes, jovens e adultos. A mortandade deixou comunidades ribeirinhas consternadas. Essas comunidades já vivem dificuldades de locomoção e de acesso a itens básicos de alimentação, em razão da estiagem que se aproxima de situações extremas.
Na seca histórica de 2010, não houve mortandade de botos como a verificada nesta semana nos cursos d'água de Tefé, segundo pesquisadores do Mamirauá, um instituto sediado na cidade e voltado a atividades de pesquisa e manejo sustentável na Amazônia.
Os pesquisadores também dizem não terem ocorrido essas mortes em outros ciclos de seca na região.
As causas das mortes são investigadas, sendo a seca e o esquentamento da água algumas das hipóteses. Não está descartada também a possibilidade da presença de alguma toxina ou patógeno na água.
"Ainda não podemos afirmar o que causou a mortalidade", disse à Folha, por mensagem, a pesquisadora Miriam Marmontel, líder do grupo de pesquisa de mamíferos aquáticos amazônicos do Instituto Mamirauá. "Estamos coletando materiais das carcaças para análises de contaminantes, histopatológicos, PCR de alguns agentes infecciosos, além da análise de água."
"Eu acredito que tenha relação com o aquecimento global", afirmou Marmontel. "Tivemos uma diferença de cerca de 8°C entre a média normal de temperatura do lago e o que vivenciamos ontem [dia 28], por exemplo."
Pesquisadores dizem que a temperatura da água do lago chegou aos 39°C às 18h desta quinta (28). Essa temperatura costuma ser de 30°C a 31°C nesta época do ano, segundo os estudiosos.
"Isso naturalmente gera um estresse térmico em qualquer organismo. E pode reduzir imunidade e potencializar a ação de outros agentes", disse a responsável por pesquisa de mamíferos aquáticos amazônicos.
Pesquisador na área de geociências no instituto, Ayan Fleischmann aponta a seca no rio Solimões -ou rio Amazonas- como mais severa neste ano, se comparada ao ano passado. Os fenômenos El Niño e de aquecimento do Atlântico Tropical Norte estão por trás da estiagem mais grave, conforme Fleischmann.
"Em agosto, a gente não tinha noção se seria uma seca extrema. Depois, o rio passou a cair 30 centímetros por dia. Ainda não estamos no que foi a seca histórica de 2010", disse o pesquisador.
Segundo ele, algumas carcaças de botos chegaram a atingir o rio Solimões, que está a oito quilômetros de distância do lago.
"A gente não tem notícia de isso ter ocorrido em outro lugar da Amazônia neste período de seca. E na seca de 2010 não houve isso. Os ribeirinhos estão chocados", afirmou o integrante do Instituto Mamirauá.
O instituto recomendou que a população não tome banho nessa água, e a prefeitura de Tefé vetou o acesso à praia já neste fim de semana, conforme o instituto.
A seca na Amazônia, em especial no Amazonas, já levou 19 cidades do estado a declararem situação de emergência, entre elas a capital, Manaus.
Comunidades ficaram isoladas, há dificuldade de transporte e de acesso a alimentos e medicação. Também há casos de mortandade de peixes e animais em diferentes regiões.
O governo do Amazonas divulgou que o governador, Wilson Lima (União Brasil), decretou situação de emergência em 55 dos 62 municípios do estado, em razão da seca severa. O governo federal também anunciou medidas de socorro para a região, como apoio à distribuição de cestas básicas.
A expectativa é que haja um agravamento da situação em outubro, mês das piores baixas dos rios amazônicos em momentos extremos, como 2010.
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