Adultização causa estrago enorme na formação das crianças, diz delegada
À frente de investigações que incluem estupro virtual e automutilação, ela considera que o núcleo apura casos chocantes nas redes e plataformas
Escute essa reportagem

Após a repercussão do vídeo em que o youtuber Felipe Bressanim Pereira, o Felca, expõe casos exploração sexual de crianças e adolescentes, a delegada Lisandréa Salvariego, responsável pelo Noad (Núcleo de Observação e Análise Digital) da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, afirmou que há uma banalização crescente da superexposição infantil nas redes sociais.
"Crianças não precisam ser expostas para que se sintam ‘aceitas’. A adultização está causando um estrago enorme na formação delas", disse a delegada, que coordena o núcleo responsável por monitorar grupos de ódio e crimes digitais.
Como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo em março deste ano, a polícia tem recorrido a agentes infiltrados para combater a onda de violência online entre crianças e adolescentes.
No vídeo da denúncia, Felca cita diversos casos em que crianças têm sua imagem explorada, tanto por pais quanto por outros adultos, que lucram com os vídeos publicados. Em alguns deles, as crianças aparecem em contextos sexualizados ou frequentando ambientes com adultos, como baladas, o que é chamado de adultização.
Entre eles, são citados os canais Bel para Meninas, Caroliny Dreher e o do influenciador Hytalo Santos, que faz conteúdos com adolescentes em suas redes sociais.
Nos vídeos, Hytalo realiza dinâmicas e desafios entre jovens, mas também os filma em situações em que eles aparecem adultizados.
Há gravações em que Hytalo anuncia a gravidez de adolescentes que vivem com ele, conta aos seguidores que elas vão realizar cirurgias plásticas, como lipoaspiração e implante de silicone, e mostra os resultados dos procedimentos. Há, ainda, trechos em que ele filma adolescentes dormindo com poucas roupas, dançando de forma erótica e em ambientes com bebida alcoólica presente.
Hytalo é investigado pelo Ministério Público da Paraíba desde dezembro de 2024 por suspeita de exploração de crianças e adolescentes e por trabalho infantil. Ele nega as acusações e afirma que ele e os jovens formam uma família não tradicional.
A delegada Lisandréa orienta que responsáveis não exibam crianças em trajes de banho, fazendo dancinha ou mantendo algum comportamento adulto. "Mesmo que sua rede seja fechada, não exiba. Hoje, esse tipo de conteúdo está na superfície [da internet], de fácil acesso", afirma ela.
À frente de investigações que incluem estupro virtual e automutilação, ela considera que o núcleo apura casos chocantes nas redes e plataformas. "O adulto precisa ser o filtro da criança ou do adolescente porque eles ainda não tem esse discernimento", diz.
Além do vídeo, Felca também ingressou com um processo em que denuncia 200 contas do Twitter. Isso porque, enquanto investigava casos de exploração, foi chamado de pedófilo pelos usuários da plataforma.
Nas redes sociais, João de Sezi, advogado de Felca, afirma que esse é apenas o terceiro processo de uma série. "Outros já foram julgados, vários sigilos já foram quebrados", diz. O influenciador ainda deixou a possibilidade de acordo com os donos das contas, caso o usuário faça uma doação de R$ 250 para uma instituição de proteção de infância e combate a exploração infantil.
Em uma reportagem publicada em 2023, a Folha mostrou que o Twitter possui falhas para banir pornografia infantil na plataforma. Foi observado que usuários que consomem o conteúdo criminoso costumam se comunicar por meio de hashtags com as iniciais do termo em inglês para "child pornography" (pornografia infantil, em português).
Alguns dos conteúdos são publicados com a hashtag e fotos de pratos de comida, conforme constatado pela reportagem. Nos comentários desses posts, outros membros publicam links que redirecionam para grupos do Telegram e sites com imagens e vídeos de exploração sexual infantil.
Muitas vezes o usuário é redirecionado para sites em que, sem necessidade de cadastro, já é possível ter acesso a fotos de crianças exploradas sexualmente.
É comum que algumas postagens sejam deletadas ou que as contas sejam suspensas por conter conteúdos impróprios. A reportagem, no entanto, encontrou posts que permaneceram por mais de dez dias na rede e alcançaram quase 380 mil usuários.
Para burlar ferramentas de segurança da plataforma, os usuários costumam misturar emojis ou números no meio da URL e orientam os usuários sobre como proceder para acessar o conteúdo criminoso.
Um relatório produzido pelas pesquisadoras Beatriz Lemos, Letícia Oliveira e Tatiana Azevedo, em maio 2023, destrincha como criminosos criam contas com a única finalidade de divulgar um anúncio.
Normalmente, as contas não seguem nenhuma outra e não têm seguidores, ou seja, ficam indetectáveis a qualquer outro usuário, exceto por aqueles que façam buscas de uma forma específica. De acordo com o relatório, esta é uma técnica que diminui a chance de as contas serem encontradas e denunciadas por outros usuários.
Assim, as contas criam mensagens com palavras-chaves relacionadas ao assunto ou hashtags de interesse e ficam à espera de um contato. Os interessados usam a ferramenta de busca do Twitter para encontrar os anúncios, digitando essas palavras e hashtags. Esse mesmo método é usado para os interessados em intercâmbio ou venda do material.
A troca e a venda de material acontecem de formas diferentes. Alguns, trocam mensagens privados no próprio Twitter. Enquanto isso, outros fornecem seu contato no Telegram ou Discord. Também é comum a indicação de links e QR Codes, em que o usuário é redirecionado para outros sites que hospedam o conteúdo criminoso.
O relatório chama atenção para o crime, diz que os riscos incluem abuso sexual, exploração, chantagem e até mesmo aliciamento para fins de pedofilia e tráfico sexual infantojuvenil. Também alerta que as vítimas podem sofrer problemas de saúde mental, traumas emocionais, dificuldades de relacionamentos e impacto na confiança e bem-estar.
"É essencial que governos e empresas de tecnologia trabalhem em conjunto para desenvolver regulamentações mais rígidas e soluções tecnológicas eficazes", conclui o relatório.
MATÉRIAS RELACIONADAS:




Comentários